Epílogo

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Nos últimos dias da estadia de Guilherme, passamos o dia no quarto de pousada em que ele ficara hospedado. Rimos, nos conhecemos, nos divertimos e nenhum encontro havia significado tanto para mim quanto aquele.

Aquele garoto curou parte da minha alma ferida sem nem se dar conta disso. Sua disposição em saber mais sobre mim, dos meus gostos, fez com que eu me sentisse importante. Apesar das marcas da ausência de um pai em sua vida, Guilherme não permitiu que isso eliminasse a chance de ele ter o que sempre quis: um pai que o amava.

Cumpri esse papel para ele, reconhecendo que lhe contar a verdade seria como maculá-lo com a mesma mancha que carrego. Não pude dizer que ele, assim como eu, era o filho de um estuprador. Não pude corrigir o engano de que eu não era o seu pai, e sim seu meio-irmão.

Sara morreu escondendo esse segredo dele na intenção de protegê-lo de um mal que ela me viu passar. Ela entendia, melhor que ninguém, o que o filho sentia. Sabia o que era ter sido abandonada por um pai, pois também não conheceu o dela. Por isso, escolheu-me para ocupar essa vaga, escondendo a brutalidade do que o meu pai fizera quando fomos morar em sua casa e meu pai se casou com a mãe dela.

Éramos tão jovens quando nos conhecemos. Aquela morena de olhos quase risonhos carregava um coração carente e se identificou comigo em pouco tempo de convivência.

Se Carlos não tivesse descoberto que eu havia me apaixonado por sua enteada, talvez nunca tivesse olhado para Sara com maus olhos. Mas para um pai que não se importou em perverter da pior forma o próprio filho, não posso supor os limites da podridão de Carlos.

Sara e eu fomos marcados por uma tragédia que nos destruiu. Minha tarefa era não permitir que mais alguém também fosse atingido.

Não disse para Guilherme com todas as letras que eu era o pai dele, mas também não desmenti essa ilusão. Agiria como o seu pai sim, ligaria para ele sempre que pudesse, atenderia todas suas ligações e, quando fosse possível, eu o visitaria em Mato Grosso para reencontrá-lo e tentar recuperar o tempo que perdemos.

Apesar de não ter pensado nisso a princípio, ter alguém para eu me importar me deu um novo vigor. As manhãs parecem mais luminosas. Levantar mais cedo e me cuidar tem se tornado uma tarefa cada vez menos complicada. Eu descobri que sou capaz de fazer alguém feliz com um simples gesto e ter essa nova percepção sobre mim mesmo tem me tornado um homem novo.

Com um violão pendurado no braço, entrei no bar no qual me apresentava quase todas as noites. Algumas mesas já estavam ocupadas e meu banco e microfone me esperavam no palco.

Antes de ocupar meu lugar, fui devidamente apresentado por um dos garçons. Sorrindo, satisfeito por ser cada vez melhor recepcionado devido ao meu crescente desempenho, caminhei entre os clientes, que me saldaram e me deram tapinhas nas costas por onde passei. Era certo que ao final da noite minha gorjeta seria bem recheada, garantindo que eu mantivesse todas as minhas dívidas em dia.

Subi os degraus e fiquei de frente para o meu público daquela noite, que estava maior que o da noite interior. Conectei o cabo do meu violão no amplificador e me sentei, desejando a todos uma boa noite, que foi calorosamente respondida.

— Hoje, gostaria de fazer uma coisa diferente. Vocês sabem que maioria das músicas que canto é sobre amor, romance e um pouco do bom e velho rock'n roll britânico. Mas hoje gostaria de cantar sobre outros sentimentos que também são muito importantes e não damos o devido valor. Hoje, gostaria de celebrar a empatia, a gratidão e, acima de tudo, a importância de demonstrarmos para quem amamos o quanto aquela pessoa é valiosa.

Enguli em seco, sentindo um nó se formar em minha garganta. O público aproveitou minha pausa para bater palmas e assoviar.

— Gostaria de oferecer essa música para Guilherme. Um filho que eu não sabia que existia, mas me encontrou na última semana. Ele mora em Mato Grosso e descobriu meu paradeiro quando encontrou na internet que eu tocava neste bar. — Alguns clientes bateram palmas e assoviaram, já outros me olharam torto, mas não me importei. — Eu costumava tocar e cantar para a mãe dele. — Recordei, saudoso. — Era o que mais gostávamos de fazer juntos, mas infelizmente tivemos que nos separar. Com o encontro com o meu filho, descobri que ela faleceu. Foi por isso que ele veio me ver. Nem que eu cante milhares de canções sobre amor, jamais conseguirei descrever o que sinto por eles.

Ajeitei o violão sobre o colo, os dedos posicionando por reflexo sobre as cordas, prontos para marcar os primeiros acordes.

— A primeira música que cantarei hoje é Gratitude, do Paul McCartney.

A apresentação durou quase a noite toda. Diverti-me como nunca antes, fazendo minha plateia cantar comigo. A cada nova música, o que eu sentia por Sara e Guilherme me dava forças. Havia dentro de mim um fulgor difícil de apagar. Eu só sabia ser infinitamente grato pelos que provocaram essa nova chama em mim.


FIM

FIM

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