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O despertador do quarto no andar de cima alarmou às dez da manhã

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O despertador do quarto no andar de cima alarmou às dez da manhã. Permaneci deitado, enquanto ouvia meu vizinho iniciar a rotina matinal. Passaram minutos em que apenas o arrastar de pés, som de um secador de cabelo, tilintar de panelas e óleo entrando em ebulição eram ouvidos. Apenas quando o vizinho barulhento fechou a porta com uma batida forte foi que enfim tive forças para me erguer da cama.

Sentado, apoiei os cotovelos no joelho e esfreguei o rosto, afastando os últimos vestígios de sono. Dei uma vaga olhada para a fresta da porta e vi a sombra do meu vizinho passar apressado. Os passos pesados e ligeiros fizeram os degraus de madeira gasta da escada rangerem.

Meneei a cabeça, desacreditando na disposição que algumas pessoas conseguiam ter nas primeiras horas da manhã. Eu não sabia o que era ter aquela força. Estar vivo já me custava energia demais. As primeiras horas do dia eram os momentos em que meu cérebro se sentia mais exausto e frenético. Eram os momentos em que eu não sabia para que ainda existia. Eu não tinha um propósito, não enxergava um além. Concentrava-me apenas em manter uma rotina e não me entregar de vez em uma depressão que poderia cedo ou tarde me matar.

A sensação de clausura e solidão aumentava com o longo tempo que eu passava afastado do convívio social. Eu podia trabalhar e ver pessoas no meu dia a dia, mas meu interior se mantinha fechado, indisponível para qualquer tentativa de contato com vida externa. Isso não era saudável. Fazia dias que nem mesmo uma garota eu trazia para o meu quarto. Eu precisava lutar contra mim mesmo, precisava revigorar meu ânimo de alguma maneira, só não sabia como.

Afastei os lençóis e me levantei da cama, nu. Minhas pernas pesavam como chumbo a cada passo que eu dava. Conhecendo a única alternativa que poderia me animar, procurei em minha gaveta pelo papel de seda, o saquinho de cannabis, e preparei meu fiel companheiro.

Eu teria que me contentar com apenas três cigarros de maconha durante o dia. Havia fixado em minha própria mente que me viciar em outra droga não era uma opção. Cheirar pó ou beber até perder a consciência eram coisas que eu jamais faria.

Eu não seria igual ao meu pai. Não me tornaria o que ele se tornou. Isso seria a gota d'água para minha destruição.

A tentação de experimentar algo mais forte que maconha era iminente, mas o terror de ser uma sombra do que Carlos foi era o que me retraía.

Enrolei a fileira de erva no papel e lambi a ponta, finalizando meu trabalho. Fumando meu cigarro, fui até a janela. Não consegui evitar pensar no tanto de vezes que ouvi que meu destino era ser um viciado como meu pai foi. Pessoas que mal me conheciam; vizinhos, familiares. Todos acreditavam que eu me tornaria um delinquente. Abandonado pela mãe e tendo como progenitor o pior homem do mundo, realmente não restava alternativa para mim.

Durante uma época, foi nisso que acreditei. Acostumei-me a me sentir como alguém sem valor, até chegar ao ponto de não gostar de mim mesmo. Foi quando a conheci...

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