Um encontro inesperado

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Era mais um dia daqueles. Difícil de suportar. Minha mãe ainda estava em coma por conta do ataque cardíaco que tinha sofrido. A relação entre mãe e filho geralmente é de amor, e comigo não era diferente. Meu pai havia falecido em um acidente de carro quando eu era novo, assim eu cresci totalmente dependente dela. Tive que faltar a semana na faculdade pra poder ficar com ela, pois caso o pior acontecesse, eu nunca me perdoaria caso não estivesse ao seu lado.

Enquanto andava pela rua para almoçar em algum lugar e depois retornar ao hospital, eu olhava para as pessoas na calçada. Pensava em como cada um tem suas cicatrizes, como o mundo tem muita desgraça, e muitas vezes é injusto até mesmo com os bons. Pensava em Deus. Tinha fé de que ele era verdadeiro. Porém não conseguia entender a razão por trás de alguns acontecimentos, como o fato do câncer existir, crianças morrerem de fome ou a minha mãe ter sofrido um infarto. Qual era a lógica de Deus afinal? Seria Deus um ser insano que apenas nos criou e nos deixou a mercê da aleatoriedade da vida? Seria ele tão evoluído a ponto de seus planos serem incompreensíveis para nós, meros mortais?

Acabo esbarrando em alguém por acidente e volto a realidade, cheguei ao restaurante. Entro no estabelecimento e pego o mesmo prato de sempre. Não tinha o hábito de variar muito minha alimentação no almoço e aquilo não me importava muito, a comida era boa e barata. Depois de dez minutos me levanto, pago a conta e saio. Vou para a calçada, seguindo de volta para o hospital, menos pensativo dessa vez.

             Me aproximando da entrada do hospital, uma criança com algo na mão me puxa pelo braço gentilmente.

­­— Ei moço. Você poderia me ajudar comprando algumas jujubas?

Olho para dentro da caixa e vejo que só restam três pacotes de jujuba dentro da caixa. O garoto ainda me fita nos olhos, esperando uma resposta. Sua camisa está suja com alguns furos pequenos e ele parece estar cansado. Sinto pena da criança e retomo meu pensamento anterior sobre Deus. Na minha idade eu estaria brincando com algum caminhão em uma casa com comida na mesa, mas ele não. Ele aparentemente não tinha experienciado a doçura da infância, seus olhos eram diferentes dos de uma criança inocente.

—  Tudo bem garoto, vou comprar as que restaram. — Digo lhe entregando uma nota de cinco reais.

— Obrigado moço! Tenho que ver o seu troco agora... — Diz o rapaz remexendo seu bolso a procura de moedas.

— Não precisa. Pode ficar com o troco. Tenho certeza que você está precisando mais do que eu.

O garoto sorri e me agradece novamente, tocando minha mão. No instante em que ele me toca, sinto algo estranho. Que sensação era aquela? Sua mão era quente, e ao contrário do que pensava, não estava suja. Era uma mão limpa e dócil. Sinto uma paz momentânea, algo que nunca havia sentido antes e que não sei descrever com palavras. O momento dura cerca de segundos e ele se senta no canto da entrada arrumando o dinheiro que acabara de receber.

Sigo meu caminho, subindo as escadas do hospital. Chego no terceiro andar e um dos médicos que já me conhecia me olha feliz com um sorriso no rosto enquanto passa por mim. Me viro pro quarto onde minha mãe está. Abro a porta e travo. Minha mãe está acordada na cama e começa a chorar no momento em que me vê. Me aproximo dela com certa destreza e lhe abraço gentilmente, com medo de machucá-la de alguma forma. Ela finalmente acordou. Acabo deixando uma lágrima escapar.

— Como é bom ter você de volta...

— Os médicos me falaram o que aconteceu. Deve ter sido difícil. — Diz ela com certa lentidão.

            Me sento ao lado dela na cadeira do quarto e fico ali conversando com ela por alguns minutos.

— E como foi durante esse tempo?

— A sensação?

— Isso.

— Foi a mesma de estar dormindo, como todos os dias. Mas... eu tive um sonho. Um daqueles meio esquisitos. Eu sonhei com um garoto, ele tinha uma aparência abalada e carregava consigo algo como uma caixa de balas. Só me lembro da imagem dele.

Arregalo os olhos quando minha mãe termina de falar e fico atordoado, digerindo o que ela tinha acabado de dizer.Era uma coincidência muito grande para ser verdade, era muito específico. Fico inquieto e saio do quarto, dizendo a ela que volto em dois minutos para lhe mostrar alguém. Desço as escadas rapidamente, quase que pulando alguns degraus.Chego na entrada do hospital, virando os olhos da esquerda à direita. O garoto havia sumido.

Um encontro inesperadoOnde histórias criam vida. Descubra agora