Na toca dos ratos, Renato foi se encontrar com seu pai. Raimundo, o rato imundo. Todos no lixão o conheciam não só pelo seu forte sotaque russo, mas também por ser muito bom de papo. Apesar de seu limitado vocabulário português, Raimundo conseguia facilmente ganhar a simpatia de seus interlocutores. Antes de rouba-los.
"Venha Renato! Estou a querer falar contigo!" Chamou Raimundo. Sua voz grossa e rouca fazia parecer que morreria engasgado a qualquer momento.
"Diga, que serviço é esse?" Renato foi direto ao ponto.
"Faz parecer que só te procuro quando precisos de ti!"
"E não é assim que funciona?"
"Ora! Mas é claro que não! Sabes que eis meu filhote querido Renato!"
"Sei, sei." Concordou o filho. Sabia que ele dizia o mesmo para seus 17 irmãos mais velhos.
"O trabalho eis o seguinte: tem um ponteiro de relógio depois do barranco. Em baixo da janela de uma casa. Tentei pega-lo, porém fui surpreendido por um felino deitado na janela. Felino pequeno. Filhote. Não chegou a me ver pois fui astuto como se espera de nossa espécie. Ele estava dormindo. Não importa. Você é mais jovem. Mais rápido. Tenho certeza que serás fácil para ti." Raimundo puxou catarro e cuspiu. "Seus irmãos me abandonaram todos! Me restam tu e Boris. Cá entre nós ele viraria comida de gato."
"Nunca sai do lixão antes. Não sei aonde é o barranco, muito menos essa janela."
"Isto não é problema filhote." Raimundo enfiou a pata entre os pelos da sua barriga e tirou uma pulga. "Este camarada aqui é Pluto, a pulga." E jogou o parasita na direção do filho. "Já pulou por lugares mais distantes do que a rua. Conhece o lixão como ninguém."
"Tudo que peço em troca é um pouquinho de sangue." Disse Pluto. "Você tem bastante, nem vai sentir falta." E deu uma risadinha.
"Bem, tanto faz. Contanto que eu receba..." Renato disse acendendo o cigarro. "Pula ai, pulga."
"Me chamo Pluto." Anunciou a pulga adentrando nos pelos de Renato.
"Que se dane."
"Você será bem pago meu filhote!" Raimundo se alegrou. "Esse ponteiro vale uma fortuna!"
"Ja entendi. Vou nessa."