O Grande Dia

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Era hoje. Após quase dois anos de noivado, a decisão de concretizar a união havia sido tomada. Um pouco às pressas, ela tinha que admitir, mas ainda assim, estava decidido. Não deveria ser algo grande, veja bem, apenas uma ocasião na qual pudesse reunir os amigos e a família e comemorar o momento tão desejado. Enquanto a maquiadora espalhava base em seu rosto, Caitriona repassava mentalmente as palavras "momento tão desejado". Havia sido mesmo? Ora, não seja boba, ela pensou, sorrindo consigo mesma.

- Querida, eu sei que você está feliz e tudo mais, mas pode parar de sorrir agora? Vou acabar borrando tudo aqui.
- Desculpe, Anita. Talvez eu esteja um pouco nervosa.
- É normal. Afinal, não é todo dia que dizemos "sim" ao amor da nossa vida, não é mesmo?
- É...

Achava que "amor da vida dela" era um termo forte demais. Afinal, pensou, amor era uma invenção dos poetas, como ouvira certa vez. Estava casando porque havia achado um companheiro, alguém sólido, de verdade, que a ouvia, a ajudava, a confortava. Tony representava tudo isso para ela. Segurança. Então estava dizendo sim a uma vida segura. O pensamento a relaxou um pouco e ela parou de se mexer, deixando que Anita concluísse seu trabalho em paz.

Fazia um dia monótono em Londres, ele observou. Nuvens pesadas de chuva deixava o céu cor de chumbo, mas não chovia ainda. Verificou a hora no relógio de pulso e viu que faltavam duas horas para o maldito evento começar. Por diversas vezes ele se questionou o que diabos estava fazendo ali, testemunhando a felicidade do casal apaixonado. Riu com desdém. "Casal apaixonado". Tinha curiosidade de saber o que o noivo achava quando assistia as cenas que ele e sua costar protagonizavam na TV. Será que ela contava a ele com riqueza de detalhes tudo que acontecia no set? Duvidava muito, porque se assim fosse, eles não estariam subindo ao altar hoje. Ou então o homem não tinha um pingo de orgulho. Em todo caso, são águas passadas. Eles deveriam seguir em frente como dois adultos civilizados, fazendo o que achavam correto de suas vidas.

Com esse pensamento em mente, Sam atravessou a avenida em direção à galeria de arte que fora recomendada por alguns conhecidos e que ele sempre quis ir, mas não tinha tempo. Já que estava ali na cidade, que mal faria em visitar? Afinal de contas, não podia chegar tão cedo e também a maldita ansiedade o estava matando. Já que não podia evitar a situação, pelo menos conseguiria espairecer um pouco e se livrar dos pensamentos que brotavam em sua mente como ervas daninhas. Talvez ali, dentro da galeria, conseguisse afastar a ideia premente de ir embora.

- Os convidados estão chegando, Caitriona. - anunciou Eleannora, sua assistente pessoal que cuidara de toda a organização da festa, andando em sua direção com o celular na mão. Ela estava parada, a costureira dando os últimos ajustes no vestido. Através da janela do hotel, podia ver o jardim rústico, com suas flores selvagens ondulando sob a brisa forte.

- Acha que vai chover? - Olhou em dúvida para baixo, avaliando se o vestido aguentaria chuva. Era um modelo delicado, feito todo em seda off white, de mangas longas, com pequenos bordados geométricos, servindo apenas como pontos de luz. Não quisera nada extravagante. O vestido não possuía calda, nem era volumoso, sendo ajustado ao seu corpo, com um leve rasgo na perna para permitir maior mobilidade. O decote na parte de trás em formato de V vinha quase até a metade das costas, porém na frente o decote era reto. Não quisera véu, nem nada disso. Usaria o cabelo de lado, enfeitado com minúsculas flores. A maquiagem era límpida, ressaltando o brilho dos seus olhos azuis.

Eleannora ficou de frente para ela, avaliando-a de cima a baixo com aprovação.

- Não se preocupe, querida. Aliás, você está ma-ra-vi-lho-sa.

Caitriona riu e desceu do banquinho com o auxílio da costureira, que havia terminado.

- Também não exagere. - falou, descartando-a com um gesto da mão, indo em direção ao espelho. Mirou-se criticamente, retocando um pouco o batom, consertando a posição de uma florzinha no cabelo. Na verdade, não estava nada mal. Agarrou o buquê de lavandas em cima da penteadeira e virou-se para a assistente.

- Nora, porque não são tuberoses?

Eleannora levantou os olhos do celular, saindo do transe, e demorou uns segundos antes de responder.

- Que diferença faz, amor. Aliás, lavandas combinam muito mais com o resto da decoração, que eu tenho certeza que você vai adorar. Agora vamos, o carro já tá aí na frente esperando por você e seu pai já está pronto, vamos.

Não pela primeira vez, Caitriona teve dúvidas se fora uma boa ideia deixar os preparativos do casamento nas mãos de sua assistente. Na verdade, pensando bem, Nora a havia influenciado bastante na decisão de apressar as coisas. Cait queria esperar pelas próximas férias, mas Nora dissera que se responsabilizaria  por tudo e que ela não teria nenhum trabalho. Afinal, para quê adiar tanto o casamento, não é mesmo? Não havia nada que os impedisse, e a oficialização da união deles colocaria uma pedra definitiva nos rumores de que ela tinha um caso com seu colega de trabalho, o que não era nada bom para sua imagem pública. Nora havia utilizado esses e vários outros argumentos para convencê-la e por fim, Caitriona havia aceitado conversar com Tony a respeito. Tony, por sua vez, aceitara sem impor muita resistência. Na realidade, qualquer coisa que ela dissesse estava bom para ele, o que fazia Cait pensar que ele tinha cem por cento de confiança nela. Sendo assim, em meados de junho decidiram que iriam casar em um fim de semana de agosto, no meio das gravações, sem direito a lua de mel. Podiam fazer uma viagem nas férias, dissera Eleannora.

E ali estava ela, pronta, buquê na mão, entrando no carro junto com seu pai.

- Minha filha, você está lindíssima. - disse o Sr. Balfe, os olhos reluzentes.

- Ah, papai... - ela realmente não sabia o que dizer. Segurou a mão do pai, que a apertou, tentando passar algum conforto.

- Filha, eu sei que você pensa bastante antes de tomar uma decisão em sua vida, mas... você tem certeza?

- Como assim, pai?

- Digo... tem certeza que ele é homem certo? Certeza de que você está feliz?

Ela parou um momento, baixou a cabeça para fitar as mãos entrelaçadas deles e assentiu, erguendo os olhos para o pai.

- Com ele eu tenho certeza de que estou segura.

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