Diário de um Pichu

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Olá, meu nome é... era Jailson. Um dia eu era um feliz pai de família, no outro eu fui parar no mundo de Pokemon e descobri que me tornei um Pichu. Por isso eu acho que, por enquanto, meu nome é Pip, com uma entonação forte e breve.

Ao menos é assim que eu sou chamado por uma fêmea de Pikachu que esteve sempre por perto nos meus primeiros dias, vigiando a mim e outros Pichus. Ela não é a única fêmea do bando, mas é a única que tem realizado essa tarefa, por isso ainda não entendi bem se ela é minha mãe ou se é só alguém encarregado dos cuidados com filhotes. Às vezes algum outro Pikachu vinha nos ver, mas nenhum passava tanto tempo conosco quanto ela.

Mesmo nos primeiros dias de vida já havia muitas lições pra aprender e por isso eu dou graças a Arceus que minhas velhas memórias permanecem comigo. Se bem me lembro, Pichus ainda não controlam as glândulas elétricas em suas bochechas. Se eu não estiver errado pelo que consigo me lembrar das aulas de eletrônica do ensino médio, parece-me que Pikachus são como baterias enquanto Pichus são como capacitores: Ambos acumulam carga, mas capacitores sempre liberam toda a carga de uma só vez. Notei isso porque sempre sinto um choquinho percorrer o corpo quando acontece de minhas bochechas liberarem eletricidade, especialmente durante alguma brincadeira com os outros pichus. Alegria e outras emoções parecem disparar essas glândulas. Mas ainda me surpreende que nem mesmo em toda minha vida como ser humano eu tomei tantos choques quanto nesses poucos dias de pokemon.

E já que falei dos outros Pichus, eles são chamados Pii, Pippi, Piipi e Pipipi. Eu sempre tenho que lutar contra a vontade de rir quando nossa babá resolve nos chamar a todos para comer ou dormir, parece um código-morse. Independente de rir ou não, normalmente eu tomo um choque depois disso. Entre uma brincadeira e outra para exercitar o corpo, tenho preferido observar os adultos, tentar diferenciá-los e entender sua linguagem. Além de ficar repetindo sílabas do seu nome, Pikachus usam muita linguagem corporal, especialmente movendo suas caudas.

Assim como os outros Pichus, eu comecei a tentar imitar os gestos de cauda e corporais que nossa babá usava conosco. Deve ser assim que se aprende a linguagem do grupo. Logo, imitar os adultos do bando se tornou uma das nossas brincadeiras. Brincar de lutinha era a outra.

E não é querendo me gabar, mas na lutinha eu sou muito bom, exceto pelo fato de que eu canso muito rápido comparado aos meus irmãozinhos e irmãzinhas. Espero que isso não se torne um problema futuro.

Com o tempo nós começamos a conhecer o território do nosso bando. Temos um bosque com muitas árvores frutíferas, um rochedo que forma uma pequena gruta onde nos abrigamos de chuva, ventos fortes e predadores, e muita grama alta depois de uma clareira na saída da floresta. Nossa babá ainda não nos deixou ver o que existe depois da grama alta, mas se for como os jogos, eu já imagino qual seria o risco.

Mas, apesar de estar preso numa pele de pokemon, a vida até que não é tão ruim: Eu não tenho que trabalhar, os adultos nos protegem, nos trazem comida e eu praticamente brinco quando não estou dormindo e durmo quando não estou brincando. Pra uma vida selvagem, eu acho que poderia me acostumar com isso...

Se eu não tivesse ainda as memórias de casa e do meu filho...

Quase todas as noites eu sonho com ele e com o acidente. Não foram poucas as vezes que eu sem querer dei choques nos outros Pichus durante esses pesadelos, e tive que ir dormir com a babá pra não perturbar o sono dos outros.

Não é medo que eu sinto quando acordo desses sonhos. É saudade de casa, da minha família... Até daquele meu trabalho véi sem-futuro e às vezes até da minha chefe, aquela caningada da gota serena!...

Eu preciso dar um jeito de sair daqui... De voltar pra casa...

Antes de partir, preciso primeiro descobrir onde estou e para onde seguir, mas minhas opções são limitadas: Cruzar a grama alta é pedir para ser atacado por pokemons selvagens ou treinadores em caça. Como ainda não consigo me defender tão bem devido ao meu baixo vigor, com certeza eu seria uma presa fácil. Em outras palavras, eu tenho que ficar mais forte.

Evoluir para Pikachu é uma solução viável, mas há algo que me intriga nessa possibilidade: Pelo que consigo me lembrar, Pichus só evoluem para Pikachus quando têm grande afeição a seus treinadores, e isso me obrigaria a ser capturado para poder evoluir. Na minha atual conjuntura, entrar pra o time de algum guri ou guria seria jogar roleta russa. Eu poderia me dar bem e ser o pet deles, mas também poderia ter o azar de ficar eternamente preso em uma box esperando eternamente por uma chance de ser útil e ter um pouquinho de liberdade, o que seria terrível. Mas, se as leis que regem esse mundo não forem tão bizarras como as regras de evolução do jogo, com certeza deve haver uma alternativa para a evolução ainda em meio selvagem. Do contrário não há nenhuma explicação para existirem Pikachus selvagens como os do meu bando. De toda forma, eu continuo preso aqui.

Em horas como essa, em que acordo pensativo durante a noite, meu sono tarda a voltar. Nesses instantes eu faço apenas duas coisas: Planejo meu futuro, e espero por ele...


***


Meus dias transcorriam com a mesma monótona tranquilidade de costume e a noite caiu cedo. Pii, Piipi e eu ainda brincávamos de lutinha perto da nossa toca quando percebemos algo incomum vindo do bosque: Uma luz bruxuleante de fogo crepitando entre as árvores.

Encarei a duplinha mantendo as orelhas erguidas em atenção. Havia apreensão e curiosidade. Eu sabia que um incêndio seria extremamente perigoso, sem falar que perderíamos fonte de alimento, mas não parecia ser o caso. O fogo parecia controlado. Poderia ser uma fogueira. E onde há fogueira, há acampamento. Com sorte, eu poderia escutar alguma conversa, ou ter alguma informação de que região é essa. Não pensei duas vezes:

"Vamos lá!", sinalizei

"Não! Perigo!", Piipi encolheu as orelhas e balançou a cabeça

"Eu vou", insisti, franzindo levemente a testa

Ignorei o chamado da dupla antes de sumir na mata. Eu sabia dos riscos de me expor dessa forma, mas estava disposto a correr perigo se fosse pra obter a informação que quero. Eu só espero ser capaz de fugir se não puder lutar...

Meu fôlego, por favor, não me falhe agora...

Pokemon Isekai - Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora