Oi meu amor, você está bem, certo?! Eu espero tanto que sim...
Não sei se vou conseguir terminar de escrever isso sem desfazer o papel todo em lágrimas, mas prometo que vou tentar mesmo que eu não tenha um destinatário para escrever quando dobrar o papel e colocar dentro do envelope com selo.
Eu sinto a sua falta. Sinto muito. Sinto tanto que não sei dizer qual é a real dimensão desse sentimento. Cada lembrança minha tem um canto seu e isso é impossível de se dissolver. Eu lembro de quando nos conhecemos, você não? Os seus cabelos curtos em sintonia com o vento enquanto você olhava para a árvore na sua frente, sentada no banco de madeira, e tentava reproduzir a mesma beleza que via para o caderno com uma caneta comum, estão na lista de coisas mais lindas que eu já vi em toda a minha vida.
Eu estava tirando fotos da mesma árvore quando te percebi. Pensei que os fios um pouco bagunçados era o melhor detalhe em você, mas hoje não sei dizer pois logo depois que também chamei sua atenção você me fitou e eu pude ver as sardas acordando perfeitamente com as bochechas cheinhas e rosadas, logo abaixo dos olhos penetrantes que, mesmo com a sua aparência jovem, pareciam ser carregados de uma vida de vários e longos anos. Ali, mesmo que não tenha percebido, eu já sabia que o meu destino era me cruzar com o seu e nunca mais desembolar o emaranhado que se formou quando os nossos fios se enrolaram.
Desde aquele dia, fomos inseparáveis. Fomos.
As vezes eu penso que ainda posso sentir o seu toque macio quando caminhávamos de mãos dadas na praia a noite, onde não tinha ninguém para nos julgar por ser quem éramos a não ser nós mesmos. A sensação de ter os dedos na areia enquanto o mar beijava os nossos pés só não era melhor do que a sensação de pisar nas rochas quando a costa acabava, sentando e observando um céu estrelado. Não era necessário nenhuma palavra. O silêncio dizia tudo.
Eu mudei o som do despertador para o mesmo do seu toque. Acordo todos os dias com a lembrança de você me ligando, eu atendendo e os dois conversando. Pensar que eu não vou mais ouvir esse mesmo toque se não for as 7 da manhã, me faz entrar quase que em desespero, porque ele é seu e você não vai mais me ligar. Pensar que eu não vou mais passar a madrugada entre risos e palhaçadas com você do outro lado da linha aperta o meu coração de um jeito que me deixa sem ar. Pensar que eu não vou mais ouvir você me dizer como foi o seu dia no fim da tarde, tenha sido ele bom ou ruim, faz minha mente nublar. Pensar que eu não vou mais sequer conversar com você ou ouvir sua voz...ah, a sua voz.
Eu daria tudo para ouvi-la mais uma única vez, nem que fosse entre os soluços e gemidos enquanto estiver chorando. Eu prefiro ouvir a sua voz em sofrimento, sabendo que eu poderia te ajudar e te acalmar, do que nunca mais poder. E então, quando o som cessasse, eu diria exatamente a mesma coisa de novo, porque eu nunca vou cansar de escutar o som que saía da tua boca, e saber que não vou mais, me faz querer parar de respirar.
Mas eu não vou. Não até que a escolha ainda seja minha. Não até que a vida decida que eu não tenho mais que ficar aqui. Não até que eu esteja pronto para ir.
Eu vou viver por nós dois, viajar para todos os lugares e fazer todas as coisas que você disse que queria fazer comigo, comprar todos os livros queria ler e ler todos eles, anotando cada página que você gostaria de imaginar, ir de metrô até a loja de doces do outro lado da cidade e gastar exatamente 5 dólares com as balas macias e vermelhas com formato retangular todo mês, ir na boate do letreiro azul e verde e dançar em cima do balcão até as coxas doerem. Eu prometo. Eu garanto. Eu juro.
Você tem um canto seu em cada lembrança minha, em cada ato meu e continuará tendo, até que não possam mais existir lembranças ou atos e que eles tenham se tornado apenas uma história que também vai deixar de existir com o passar do tempo.
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Lembranças de um Canto seu
Short Story~CAPÍTULO ÚNICO~ PLÁGIO É CRIME. NÃO COPIE, CRIE!