Se eu disser que dormi, estarei mentindo. E se eu disser que pensei em dormir estarei mentindo mais ainda.
Contei para mamãe ela ficou eufórica.
- Um amigo! - disse ela sorrindo - Finalmente meu bebê fez um amigo real!
- Meus amigos são reais mamãe, apenas conversamos pela internet. - digo carrancuda - Aliás, o Theodore não é meu amigo.
- Não? - disse mamãe levando a mão ao peito - Theodore é seu namorado? Seu pai ficaria satisfeito se soubesse.
Engasgo com o leite. Mamãe enloqueceu.
- Não! - exclamo em pânico - Theodore é apenas um colega de inglês que, infelizmente, foi designado pelo destino. Ou pelo karma.
Mamãe sorri e eu pego minha bolsa.
- Tenha um bom dia querida - ela coloca a mão no meu ombro - Preciso ir ao banco, chegarei na loja um pouco depois de vocês.
Ótimo, mais tempo com o Theodore.
O dia transcorreu na monotonia de sempre, quando o professor de inglês perguntou quem iria começar o trabalho hoje, só eu e o Theodore levantamos a mão. Mais murmúrios. Maravilha.
Quando o sinal toca, resolvo guardar meu material devagar. Quem sabe ele mude de ideia repentinamente, ou saia sem perceber. Ou melhor, esqueça.
- Cof cof - ouço uma tosse forçada e um par de olhos azuis sorrindo - Está pronta?
Merda, ele lembrou.
- Só um minuto - digo fechando a bolsa, olho para os meus pés encabulada - Você pode me esperar na esquina se quiser...
- Por que faria isso? - ele me interrompe -.
- Não sei, talvez não seja legal que vejam você comigo. E eu não quero seu comitê me apedrejando também.. - digo na tentativa de forçar um sorriso, ele leva a mão ao queixo pensando -.
- Não. Não vou fazer isso. Acho que você não é uma estupradora ou alguém que maltrata animais. E nem rouba. Se tivesse características assim, não gostaria de ser visto com você. - ele diz caminhando e me deixando estupefata no lugar -, Vamos Harumi-chan?
Sorrio. Chan. Harumi-chan. Começo a caminhar ao lado dele no corredor. Sinto olhares e abaixo a cabeça.
- Harumi? - Theodore me chama -.
- Sim? - Levanto a cabeça para encara-lo.
- Nada. - Ele sorri e olha para frente.
Faço o mesmo, nossa caminhada é silenciosa. Estamos chegando perto da loja, não é muito longe da minha casa. As portas são de vidro, eu abro e ele entra enquanto resolvo abrir a loja inteira.
- Legal, sempre sonhei com isso - Theodore diz caminhando pela loja -, Sabe? Ter uma loja de doces inteira só pra você.
Sorrio. Lembro de quando meus pais resolveram adquirir o imóvel e transforma-lo nisso. Lembro de quando meu pai dizia que isso era parte do coração dele. É como estar com ele. Meu coração aperta.
- O que foi? - Theodore aparece ao meu lado.
- Nada... - digo cutucando o botão do cardigan - Na verdade.... Eu lembrei do meu pai.
Ele me olha atônito, provavelmente sabe. Os jornais noticiaram o acidente, um motorista de caminhão alcoolizado bateu no carro do papai.
- Sinto muito, Harumi - ele diz solene e sincero.
- Tudo bem - sorrio com franqueza - Não dói sabe. Não mais, eu sinto saudade. É como perder um membro, você vai olhar e lembrar que ele estava alí.