35 - memória

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Por que isso está acontecendo mesmo?

Essas são as coisas que existem dentro de mim mesmo? Coisas repulsivas? Coisas impossíveis de se enfrentar e portanto reprimidas? Por dentro eu sou assim tão impotente? De repente eu sinto o cheiro familiar da pilha de corpos novamente. Algo podre misturado ao odor de ferro do sangue, um fedor insuportável. Ainda estou chorando sem controle.

Como eu conseguiria por um fim nisso? Eu ainda não sou capaz de pensar nisso, porém...

Aquele grito me faz emergir na realidade, e eu torno a ter ciência de mim mesmo. Eu parecia ter me perdido realmente. Olhando para Paola dentro daquele cubículo, quase nua e imobilizada, eu me pego esclarecido. Balanço minha cabeça e arregalo meus olhos como se tivesse sofrido uma enorme epifania. Salvar minha pele foi meu motivo quando resolvi vir aqui, e agora cônscio estou disso.

- O que está... havendo? - indago.

Tudo fora uma fantasia, mas agora preciso agir.

Paola para de gritar e avança impetuosamente sobre o vidro, porém algo a impede. Logo percebo umas espécies de panos brancos amarrados em seus pulsos e tornozelos. Os panos a puxam para trás contra a parede com violência. É como magnetismo, porque há uma força invisível impelindo ela a ficar com os braços e pernas baixos e eretos, incapazes de fazer quaisquer movimentos bruscos. Ela faz força, mas é inútil. Em seu rosto, há uma mescla de raiva, medo e violência, o que é algo muito medonho de ser ver; ela parece totalmente bárbara. Não sei se Paola sabe o que está acontecendo. Talvez deva estar achando estranho ver dois Erichs, cada qual em uma posição distinta e sem nexo. Ou talvez já saiba do agente mau que atua aqui no inconsciente, do outro Erich, da outra parte da personalidade dele, de mim. Afinal, como raios ela veio parar aqui? Por que ela fez tal besteira? Claro, eu não posso bloqueá-la. Ela pode muito bem ter entrado em minha mente enquanto eu dormia.

Novamente noto de repente. Todos aqueles elementos existem em minha memória, ou foram construídos a partir dela. Aqueles panos são as antigas cortinas de casa.

Isso é...

Pela primeira vez, na tentativa de ver pela perspectiva de outra pessoa, noto o quão a minha situação atual é bizarra.

- O inconsciente tem muitas formas de repreender qualquer invasor. Obviamente ela sabia disso, mas o que ela viu ainda assim a surpreendeu, a garota psíquica, a punk, né?

Esse território profundo escondido em mim mesmo. Eu ainda não sei como reagir agora, mas... agora tenho algo mais palpável para me guiar. Preciso me concentrar nisso.

Salve Paola.

Eu me sinto até melhor em saber que ao menos Paola está viva e inteira, apesar de não parecer saudável. Algo a maltratou mesmo, ainda que persista resistindo. Suas roupas estão rasgadas, sua pele marcada, quase roxa. Tem sangue no chão, que sai dos orifícios de sua face agredida.

O que aconteceu com ela e quando? Eu... fiz... isso a ela?

Gostaria de não estar tão indefeso e exposto agora, mas me recordo de todo o episódio desde que cheguei aqui. Será que ainda estou sendo manipulado? E ainda agora continuo me sentindo impotente?

Abaixo o rosto após ficar assistindo-a lutar. Muitos sentimentos afloram: vergonha, culpa, ódio, confusão.

Só eu posso afirmar se sim ou se não.

Olho para o meu outro eu decidido, mordendo o lábio inferior e contorcendo as sobrancelhas em evidente cólera. Ele tem um grande sorriso no rosto e continua olhando para Paola como se achasse aquela vitória muito interessante de se ver ainda. É irritante.

Máscara Negra - ImpactoOnde histórias criam vida. Descubra agora