Amnésia

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E se derrepente você acordasse dentro de um barco, no meio do nada e sozinho? Sem se lembrar de absolutamente nada.  O que você faria? Foi isso que aconteceu com Tereza.

Tereza tem 68 anos, é avó de três lindos garotos, e tem uma filha muito atenciosa e dedicada a ela. Tereza morava junto com seu marido, César, na grande São Paulo. O problema é que Tereza não se lembrava de nada disso e a única coisa que rondava sua cabeça era o porquê de estar ali, dentro de um barco sozinha. E ainda mais importante como ela faria para sair dali?!

Quatro manhãs antes

- Amor, ser a que Lídia já está em casa?

- Não sei meu anjo, mas assim que chegarmos em São Sebastião eu ligo para ela, pode deixar.

- Então tudo bem. Tereza, eu tô com um sentimento estranho...

- E por que querido?

- Não se... - quando César estava para completar sua frase algo os atingiu lateralmente causando um abalroamento, o mesmo foi lançado para longe do carro.

Tereza ficou presa entre o banco e seu airbag, não demorou muito para que o Socorro chegasse e a retirassem do local. Encaminhada para o hospital municipal mais próximo Tereza foi medicada e o médico responsável informou a sua filha, que havia sido chamada algumas horas após o acidente, que sua mãe tinha sofrido um trauma craniano e poderia não se lembrar de alguns momentos de sua vida.

Lídia foi informada também do falecimento de seu pai, e de que a mulher grávida que havia batido no carro também tinha ido a óbito, segundos antes do acidente devido a um mal súbito.

Presente

- Onde que eu estou, cadê meu pai?! Pai, pai, paaaaaai! - gritava Tereza, certa de que estava em sua juventude ainda morando com seu pai, Eraldo, o pescador.

Olhando ao seu redor não avistou nenhuma terra firme próxima a ela, ela andava de um lado ao outro, procurando algo que a ajudasse a se mover para longe dali. Mas o barco parecia a deriva...

Duas manhãs antes

- Mãe, você acordou!!!

- Mãe? Você está maluca? Quem é você, onde estou, cadê meu pai? - perguntava Tereza, sentando-se em uma cama, em um quarto branco. - Me solta, cadê meu pai?

Lídia observava sua mãe repelir o contato com a filha, como se a mesma fosse uma completa estranha, ela não conseguia suportar tamanha dor, ver sua mãe, sua querida mãe a repelir como uma indigente a arrasava.

- Lídia, posso falar com você?

Lídia assentiu e seguiu o doutor para fora da sala. Do lado de fora observando sua mãe ela ouviu atentamente ao que lhe era dito, o estado de sua mãe era mais grave do que havia sido imaginado, pelo que podiam perceber a batida havia afetado mais do que apenas as memórias recentes, e isso poderia ser temporário ou permanente. Lídia teria de lidar com a triste proporcionalidade de que sua mãe poderia voltar ou não a ser sua mãe. Ela teria de ter paciência e principalmente ficar de olho para que nada de errado ocorresse com Tereza, a vida e bem estar da mãe dependia exclusivamente dos cuidados da filha.

Lídia, seu marido e seus filhos estavam todos muito abalados no enterro de seu César, quando seu telefone tocou naquela tarde chuvosa, Lídia foi ao chão chorando desesperada ao receber a notícia de que Tereza havia desaparecido do hospital, a enfermeira que foi encontrada desacordada disse que a senhora estava descontrolada e dizendo que iria ao encontro de seu pai.

Lídia e Carlos em menos de duas horas haviam espalhado para todos os amigos e polícias fotos de Tereza, alertaram para seu atual estado mental e pediram para caso a avistassem ligassem para eles. Lídia passou a noite toda a debulhar-se em lágrimas, quando as quatro da manhã seu telefone residencial tocou, era um senhor informando que uma senhora muito parecida com a qual estava na foto havia roubado seu barco de pesca e tinha ido remando mar aberto. Lídia e Carlos pegaram o carro e o mais rápido possível dirigiram para o litoral.

Ao chegarem lá, o homem os contou que a mulher parecia atordoada e alegava querer encontrar o pai, Lídia e Carlos perguntaram se o barco possuía GPS, mas o senhor negou.
Prontamente Carlos ligou para a guarda marítima e informou todas as descrições do barco e de Tereza.

Presente

Tereza chorava, ela não sabia onde seu pai estava e começava a escurecer e ao que indicava uma tempestade se aproximava. Ela olhava para suas mãos e seus pés e se via toda enrugada, se sentia muito fatigada e sua voz soava como de uma idosa. Ela não aguentava mais, estava com frio e muito medo. Quando um barco grande se aproximou rápido demais, buzinando e a  assustando fazendo com que ela escorregasse, batesse a cabeça e caísse ao mar.

- MÃAAE! - gritou Lídia desesperada ao perceber a queda da mãe. 

Tudo aconteceu muito rápido, os soldados no barco pularam para resgatar a mulher, Lídia chorando procurava por sua mãe, mas não conseguia a enxergar, quando dois dos quatro que haviam mergulhado para a procura retornaram com a senhora, desacordada, nos braços. A mulher chorava ao ver sua mãe, pela segunda vez, em situação de risco. Os homens fizeram os procedimentos de primeiros socorros, e passado alguns instantes Tereza acordou.

- Mãe, meu Deus, mãe! Você está bem? Como a senhora faz isso comigo mãe!?

A senhora olhou para ela confusa por instantes e rodeada por alguns homens ela começou a chorar, chorar feito uma criança.

- Mãe não chore, não chore. - disse Lídia se aproximando e a abraçando.

- Meu amor, como eu pude fazer isso? Como pude esquecer, onde eu estava com a cabeça?!

- Mãe não, não faça isso não chore, não se culpe.

Tereza chorava se lembrando de tudo, se lembrando de sua família, seus netos, sua filha, genro, amigos a morte de seu pai anos antes e de César, seu César, seu primeiro e único amor. O amor de toda sua vida, o amor que ela nem sabia como estava.

- Lídia, onde seu pai está, porque ele não está aqui junto com você?

- Mãe é muito para sua cabeça agora, vamos esperar mais um pouco e eu lhe conto toda a história.

Tereza então assentiu, e esperou. Esperou até que estivessem novamente no hospital, sendo cuidada e bem acomodada. Ela soube de tudo, tudo o que havia ocorrido desde o acidente com a morte de César e da Joana, a moça grávida até toda a comoção que seu desaparecimento havia acarretado. 

Algumas semanas após já se sentir saudável, Tereza foi visitar o túmulo de seu marido junto de seu neto mais velho, César Jr.  E teve a sua última "conversa" com ele e se despediu para sempre de seu amado esposo.

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