Prólogo

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O voo que levaria Kate pra longe da sua cidade natal estava próximo ela ainda não havia conseguido terminar de fazer as malas, apesar dos gritos de sua mãe do lado de fora do quarto. Ela sentou na cama, colocou as mãos nos joelhos e olhou pra cima. Se tinha algo que Kate nunca perdia era a fé, seja lá no que fosse. Há um tempo atrás  era exatamente nesse momento que ela pediria a Deus que Ele a guiasse, mas dados os ocorridos no último mês, ela já não tinha tantas fé de que esse mesmo ser onipotente poderia ajudá-la.
Então passou a mão no rosto, chacoalhou a cabeça, respirou fundo e abriu a primeira gaveta da cômoda, tirou tudo que tinha nela e jogou de qualquer jeito na mala que estava em cima da cama. Depois colocou a mala do lado da penteadeira e passou o braço em sua superfície pra que tudo caísse dentro dela também, sem o menor cuidado. Quase tudo que ela tinha já estava em caixas e só faltavam algumas poucas coisas pra completar a mudança.
Ela sabia que sua vida ia mudar e nem tinha mais o que fazer essa altura. Enquanto pôde ela espernneou, chorou, insistiu, suplicou e fez tudo, exatamente tudo que estava ao seu alcance pra não ver seus pais separados, mas agora era tarde. Kate sabia que dali pra frente era ela e à sua mãe contra o mundo, e apesar de não concordar com a atitude da mãe de sair de casa, ela decidiu apoiá-la, pois para Kate amar é uma opção e ela optou por amar os seus pais de forma que a sua irmã mais nova cuidasse do seu pai, enquanto ela cuidaria de sua mãe.
- Já está pronta,  querida? - perguntou a mãe entrando no quarto.
Andrea antes era linda. Seu cabelo loiro, seus olhos verdes faziam dela uma das garotas mais bonitas da cidade. E foi por isso que ela se casou com um dos caras mais ricos da cidade: Richard Evans, sócio majoritário numa das maiores redes hoteleiras da alta classe de Nova Iorque. Mas como dinheiro nenhum pode comprar a garantia de um futuro feliz, a paixão passou e - com um empurrão de algumas mentiras algumas aqui e algumas falcatruas ali -, o casamento não durou muito.
Mas Andrea era romântica e decidiu que não desistiria do amor. Saiu com alguns e não conseguiu se interessar por nenhum, até que em um dia de chuva, foi quase atropelada por um bicicleta no Central Park. Prontamente o rapaz desceu acudi-la.
Foi aí que conheceu Ronald Evans, pouco dinheiro e muito amor. Ah, outra coisa que o dinheiro não compra: olhos verdes e um cabelo incrível que deixaria qualquer uma babando. Mas quem teve a sorte de levar aquele jovem lindo e estudioso pra casa foi Andrea. O tempo passou e cá estava ela: desiludida do amor novamente. Aqueles 18 anos se passaram e tudo mudou: ele se formou em arquitetura, ela em jornalismo, vieram as filhas e a rotina. E foi ela, a rotina, segundo o próprio Ronald, que fizeram a língua de sua sócia parar dentro de sua boca, e depois, coincidentemente, essa mesma língua soltar essa fofoca pras pessoas que certamente levariam a novidade a esposa do sócio e, assim, viesse agora a colocar seu casamento abaixo.
Agora Andrea já não era assim tão bonita - e muito menos tão romântica. O cabelo agora só ficava preso com um elástico e a franja desgarrada caía no rosto. Seu olhar já não tinha aquele brilho, e as rugas haviam começado a aparecer há algum tempo atrás, mas agora ela não se importava mais com isso. Não tinha mais pra quem ficar bonita, e na sua cabeça nem idade tinha mais pra recomeçar nisso de encontrar alguém. Estava decidida: viveria pela filha e pelo trabalho.
- Tá quase tudo pronto, mãe. É só... bem são só... esses porta-retratos, eu não sei se eu devo levar ou... - disse ela apontando para as molduras colocadas em sua janela.
Alguns deles mostram uma família unida: Kate e sua irmã, seus pais casados e felizes de férias em algum lugar bonito. Mas aquilo já parecia fazer parte de uma outra vida, agora seriam só as duas, já que a sua irmã mais nova, Melissa decidiu ficar com o pai. Como Ronald e Andrea tentaram fazer o divórcio da forma mais amigável possível, decidiram que as filhas já poderiam decidir sozinhas com quem ficariam.
- Querida, eu já disse - respondeu Andrea prontamente, segurando ambas as mãos da filha e sentando a sua frente, na cama -, quero que entenda eu estou me separando do seu pai, ele está deixando de ser meu marido, mas isso não faz com que ele deixe de ser o seu pai ou pai da sua irmã. Isso não quer dizer que não temos mais uma família... - ela mal conseguia terminar as frases sobre a separação sem fungar ou respirar fundo e olhar pra cima pra evitar que a lágrima caísse e novamente começasse a cena lamentável das últimas semanas.
Kate viu o rumo que a conversa estava tomando e decidiu intervir.
- Mãe, tá tudo bem. Ok? - disse, sentando ao lado da mãe e puxando puxando sua cabeça pra recostar em seu ombro.
- Você e eles são uma família e... eu e você somos uma família... e ele com a sua irmã vão ficar aqui e ser uma família... - então ela não segurou: deu três soluços e pôs sua mágoa e frustração pra fora.
Esses sentimentos eram, dentro de Andrea,  uma espécie de bactéria conjunta, que se reproduzia tão rapidamente a ponto de cada vez que ela terminava uma sessão de choro de trinta minutos já estar pronta pra iniciar outra sessão.
- Tudo vai dar certo,eu prometo pra você. Tudo vai mudar, tudo vai tudo vai ser melhor agora.
Kate levou um susto quando, de repente, a mãe levantou a cabeça, limpou o rosto com a manga do suéter, foi pra frente da penteadeira e,  enquanto encarava seu reflexo no espelho e passava a mão nos cabelos pra ajeitá-los pra trás, engoliu o choro.
- A gente vai morar com seu tio e você vai conhecer novas pessoas, seu primo inclusive, começar uma nova vida... Kate, preciso que confie em mim, porque nem eu sei como vou fazer isso, e você sempre esteve lá por mim, você sabe que é minha melhor amiga. E eu vou melhorar, eu juro!
Kate se levantou.
- Não tem que jurar nada, mãe. "Tudo bem não estar tudo bem", lembra?
Andrea soltou um sorriso de leve e abraçou  a filha com toda sua força.
- Eu posso até pedir pro teu primo te apresentar uns caras legais e...
- Mãe...
- Que foi? Aposto que você  vai arrasar, gatinha! Vai achar um namorado e...
- Mãe! - bravejou Kate se desvencilhando da mãe e a encarando.
- Tá legal... ingrata! - brincou Andrea, saíndo do quarto da filha.
- Você não tá depressiva não, mãe,  você tá é doida! - respondeu, rindo e dobrando suas roupas pra mala fechar.
- Ei... eu te amo muito, sabia? - sussurrou a mãe, encostada na porta do quarto, enquanto observava a filha com admiração, como uma mãe nova  que admira cada pequeno avanço do seu bebê como algo extraordinário.
- Também amo você. - disse Kate olhando pra porta enquanto a mãe saía.
- Não perca mais tempo, arruma direito essa mala, hein? E pegue a bombinha da... - foi gritando enquanto descia as escadas.
- Tá bom, mãe! Tá bom, já entendi!
Enquanto Kate sentava na mala e pulava pra que ela fechasse de maneira mais fácil, seu celular tocou.
Então ela pegou ele, viu a notificação no nome de Chad, não leu a mensagem, deu um beijo de adeus no seu celular e o colocou dentro do jarro de água ao lado de sua cama.
- Katherine Clark, vê se cresce! - bravejou consigo mesma, encarando seu reflexo no vidro da janela - Cidade nova, vida nova!

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⏰ Última atualização: Oct 28, 2015 ⏰

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