O leão, o herói e a menestrel

25 3 2
                                    

Há heróis e heróis. Há aqueles que são invencíveis, há os que buscam que seu nome ecoe gloriosamente pela eternidade, há os que jamais desistem, há os que representam os maiores ideais de seus povos, há os charmosos e os durões, os bondosos e os cruéis. Há heróis para todos os tipos e gostos. Dentre eles, eu decidi acompanhar Golias.

A história sobre como eu conheci Golias fica para outro dia. Creio que devo iniciar com uma breve descrição do herói. Assim, se meus leitores quiserem se lembrar de como ele é, basta voltar para o começo dessa história.

Golias é alto, forte, tem cabelos castanhos escuros na altura dos ombros e não usa barba. Ele é musculoso com uma discreta barriguinha. Costuma usar uma maça e um gibão de lã como armadura. Sobre seu caráter, julguem vocês a partir do que vou contar.

Meu nome é Selena. Se esse é meu nome verdadeiro ou meu nome artístico vocês jamais saberão. Eu sou uma contadora de histórias, épicos, romances, comédias, tragédias. Se eu mentisse mais, viveria com luxo em alguma corte, se eu mentisse menos, já teria sido morta. Creio que minto na medida certa para ser livre, leve e solta.

Esta história começa com Golias indo à caça de um leão feroz que aterrorizava as pessoas de uma região composta por três aldeias, vários sítios e fazendolas. O leão devorava ovelhas, bois e qualquer azarado que encontrasse pelo caminho. A fera se esquivara das armadilhas montadas para pegá-la e deglutira caçadores e guerreiros que tinham vindo enfrentá-la. A cada sacrifico heroico, o leão ficava dias sem comer ninguém, para alívio dos aldeões. Infelizmente para eles, essa situação desmotivou outros heróis a vir enfrentar a fera. Portanto, não foi com pouca alegria que receberam Golias, herói que se dispunha a matar o bicho. Creio que pensaram algo como "na pior das hipóteses ganhamos uma semana de paz!" Ainda assim, não pareciam acreditar muito no meu amigo.

- Qual é sua altura? – perguntou um aldeão

- Eu tenho um metro e oitenta e nove centímetros – respondeu Golias estufando o peito

- Um herói de 1,89, a gente não tem nem um de 1,99... – resmungou o aldeão.

Golias esvaziou. Ouvimos algumas risadinhas escondidas, porque 1,89m de músculos ainda é muita coisa. Golias deixou uma boa esmola e um sanduíche generoso com o mendigo da praça da aldeia. Ele sempre fazia isso. Partimos confiantes.

Uma semana depois de buscas frustradas e armadilhas vazias voltamos para a aldeia. Golias seguia soturno, sem o sorriso costumeiro. Para nossa surpresa, encontramos os aldeões de bom humor. "Parece que não perdemos a confiança do pessoal", observou Golias. Eu não estava tão certa e fui averiguar. Preferia ter estado errada.

Encontrei meu amigo na porta da venda local. Ele saboreava um sanduíche de linguiça, uma salada simples de alface e tomate, com uma rosquinha açucarada de sobremesa. Golias havia comprado o mesmo para mim, exceto na sobremesa que era um sonho de creme. Adoro sonho de creme. Ele sorriu quando me viu e eu retribuí com as más novas:

- Os aldeões estão empolgados porque outro herói apareceu enquanto estivemos fora. Dom Gaspar, um cavaleiro andante com seu possante cavalo e cota de malha.

Golias baixou a cabeça, contemplando o chão enquanto comia. Mastigou devagar. Então:

- Qual é a altura de Dom Gaspar?

- Disseram que ele tem 2,05m.

Golias terminou o sanduíche e a salada. Pegou então a rosquinha:

- O que importa é que as pessoas sejam protegidas, não quem matou o leão.

Ele engoliu a rosquinha, limpou as mãos e levantou-se devagar:

- Mas, ele ainda não pegou o leão.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Sep 01, 2019 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

O leão, o herói e a menestrelWhere stories live. Discover now