Capítulo 5

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Ribatejo, 2016

A montanha parira um rato. A melhor metáfora que encontrava para justificar a carta exagerada da mãe. Tudo estava calmo e sereno pela casa e pela quinta à exceção de Dona Teresa permanecer a maior parte do tempo em repouso por causa da cirurgia, única alteração nas rotinas diárias da mãe.

Apenas as mensagens constantes de Jorge lhe tiravam a serenidade, mas em breve iria mudar de número de telefone e evitar que ele a massacrasse o dia inteiro com ameaças veladas, face à hipótese de Marta pensar em não voltar ao trabalho.

Sara ali estava, sentada em frente da televisão, sempre com um sorriso na cara. Fez-lhe uma festa no cabelo e sentou-se a seu lado.

- Então Sara como vai o teu trabalho? Estás a gostar?

Marta não sabia o que perguntar à irmã, ali sentada a seu lado, e a adorá-la literalmente- a avaliar pelo olhar dela. Nunca foram muito chegadas e o facto de a mãe proteger tanto Sara, afastou-a, numa época em que ela tinha que decidir se continuava a trabalhar no hospital de Santarém, ou aceitava o emprego no hospital de Londres.

Sara sorriu e abanou a cabeça positivamente.

- Vai bem. Vendo muito pão. No próximo mês vou ser aumentada – disse Sara com a sua candura.

Sentia-se mal por não conhecer bem a única irmã que tinha, mas estava disposta a remediar a situação. Olhou para ela e lamentou o que lhe acontecera à nascença. Sara seria uma mulher resoluta se não fosse a sua limitação intelectual. Mesmo com as suas dificuldades, tornou-se uma mulher trabalhadora e responsável até onde as suas capacidades cognitivas lhe permitiam. Era Sara que tomava conta da mãe desde que esta saíra do hospital.

- Fico contente por ti. Sara...nunca fomos muito próximas, amigas mesmo, entendes? E lamento isso...

Sara acenou que sim com a cabeça, mais por hábito do que capacidade para entender todo o significado das palavras da irmã.

Marta achou-se uma péssima irmã. Sara era generosa nos afetos, sobretudo com ela.

- Mas se me deres uma oportunidade, queria conhecer-te melhor – disse Marta com receio que Sara não quisesse.

Sara abraçou a irmã espontaneamente com toda a falta de jeito que a sua deficiência lhe conferia.

- A mãe vai ficar cont'ente. Ela diz que tu f'oste para longe por minha c'ausa – gaguejou.

- Não fui não – apressou-se a responder. A mãe por vezes é injusta nas suas avaliações – disse ressentida com a mãe.

Marta sabia que era verdade. Naquela época tinha receio que a prendessem à casa e aos negócios da família, nas estufas de tomate, com o objetivo de cuidar da irmã, e nunca mais soubesse o que era o mundo fora da aldeia de Galopim e dos seus arredores.

Teresa apareceu a arrastar os pés, devagar, como lhe recomendara o médico. Qualquer força despendida antes dos tecidos estarem cicatrizados era o suficiente para estragar a operação. Anos de esforço nos trabalhos das estufas a ajudar o pai depois que ele voltou do Ultramar, e uma filha parida aos trinta e sete anos, custaram-lhe o útero descaído e a fazer compressão sobre a bexiga. Restara-lhe apenas a opção da cirurgia com a promessa por parte do cirurgião que ficaria curada daquele mal-estar continuo.

- Olha quem aí vem! – Marta não conseguiu esconder o tom de censura e desapontamento com a mãe. – Sabes o que a Sara me estava a contar?

- Sei – respondeu séria. - Sara, não devias ter dito isso à tua irmã.

A Cápsula do TempoWhere stories live. Discover now