Capítulo 8

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As memórias não paravam de afluir à sua mente. Por mais que tentasse desviar o pensamento, Afonso regressava sempre àquela época em que ela estava perdidamente apaixonada por ele sem se dar conta. As brincadeiras da infância, aos poucos, tinham dado lugar a uma admiração e amor que ela jamais poderia vir a sentir por outro rapaz.

Era a sua Marta. A rapariga com que jurara nunca casar quando ela se referia ao assunto nas brincadeiras de criança, mas que desejara mal ela botara corpo de mulher.

Marta tinha completado dezasseis anos e sentia-se a rapariga mais feliz do mundo. Nada a desviaria de Afonso e decerto ele iria levá-la a sério a partir dali. Que diabo, com dezasseis anos era uma mulher e, apesar de ele ser mais velho, não se notava a diferença de idades – achava ela -, estava quase da altura dele e as suas formas eram as de uma mulher adulta quando se observava ao espelho. Ele não podia ignorá-la.

Nada a faria supor que naquela tarde de domingo em que esperava que ele aparecesse para deambularem pela charneca, trocarem confidências e até alguns beijos às escondidas, o pai a chamasse ao escritório.

- Senta-te Marta. Quero falar contigo.

Sentou-se no sofá onde o pai costumava fazer as suas sestas no verão, depois de almoço, e ficou a matutar porque teria ele a cara tão séria. As pernas tremiam-lhe e as mãos estavam suadas. Não tinha medo do pai, mas a sua intuição dizia-lhe que o assunto não ia agradar-lhe e que de alguma forma o pai ia decidir a sua vida a partir dali.

- Marta, como tu sabes, eu e a mãe adoramos-te, és a luz da nossa vida e, não queremos que te aconteça alguma coisa que vá alterar os teus planos de estudar e ter uma vida feliz. Estudar é das coisas mais importantes da vida. Não queiras ter a minha vida, filha. O trabalho do campo é duro e, eu e a tua mãe estamos cheios de mazelas à custa de tanto dobrar as costas com a enxada.

Onde é que ele queria chegar? Pensou Marta, incapaz de perguntar.

- Paizinho, despacha-te que o Afonso deve estar por aí a aparecer e queremos ir...

- É precisamente por causa do Afonso que te chamei. Ele não vai mais voltar aqui. Não te fica bem andares pela charneca e pelo rio com um rapaz mais velho. As pessoas falam filha, e não te queremos falada na aldeia. Ontem chamei o Afonso e falei com ele. Ele entendeu.

- Mas pai! Porque é que fizeste isso? Não podes separar-me do Afonso!

Uma lágrima discreta apareceu-lhe ao canto do olho e a face mostrou a extrema emoção que escoava pela mente.

- É melhor assim. O Afonso é um jovem prestes a entrar para a universidade e tu ainda és muito jovem.

- Já sei porque é! Têm medo que eu engravide, é?

E nisto levantou-se do sofá e correu para a rua sem esperar resposta do pai.

Até hoje não sabe se ele lhe iria dizer mais alguma coisa, mas também duvidava que naquela altura tivesse feito a diferença. Quando Sérgio Ramires dizia que não, era não.

**

Marta saiu levemente do transe em que caminhava na rua quando um carro quase a atropelou. Quando pensava em Afonso ficava sempre nas nuvens.

De súbito sentiu o ombro a estalar de dor e acordou totalmente dos devaneios com o passado.

- Desculpe menina – disse uma voz grave.

- Podia ver por onde anda – resmungou ela a esfregar o ombro.

- Peço desculpa mais uma vez, que posso fazer para me redimir?

A Cápsula do TempoWhere stories live. Discover now