Antes de Marta sair do carro de Tiago ele pediu-lhe o número do telemóvel, como desculpa de gostar de a voltar a encontrar. Marta desculpou-se com o facto de estar em Portugal há pouco tempo e ainda não ter comprado um, mas não valia a pena ter mentido daquela forma tão infantil, porque foi apanhada no mesmo instante.
Nas profundezas da sua mochila, o telefone tocou uma música sugestiva e Marta fez um sorriso amarelo, encolheu os ombros envergonhada até à raiz dos cabelos e desculpou-se da melhor forma que conseguiu.
Porra se tivesse aqui um buraco atirava-me lá para dentro.
- É da minha irmã. O telefone. Ela emprestou-mo.
A mentira era pior que dizer-lhe que não queria voltar a vê-lo. Reconsiderou.
- Tudo bem, Tiago... desculpa pela minha falta de educação, mas sabes como é...tendo em conta as nossas diferenças da adolescência...
Tiago sabia, mas não queria saber.
- Não tem problema, fui precipitado... se não quiseres dar, eu entendo. Mas Marta, passaram tantos anos!
Ela assentiu, rendida às evidencias.
Não valia a pena hostilizar Tiago em nome de uns quantos lanches comidos e uns laços de cabelo arrancados e deitados ao lixo fazia mais de vinte anos. Tiago sempre granjeou inimigos á conta de defender a imagem que tinha do pai louco aos gritos e de caçadeira em punho aos tiros, a matar inimigos que não existiam na lezíria e, quando na escola os garotos falavam do Zé Maluco, ele escondia-se de vergonha e depois vingava-se pela calada, quando os outros estavam desprevenidos; desaparecia uma lancheira do saco das merendas e aparecia espezinhada atrás dos canteiros das flores, um boné de marca levava umas tesouradas, os lápis e canetas eram esmagados aos pés juntos no chão do recreio, ou do nada deitava alguém ao chão e jogava-lhe uns pontapés.
Pobre Tiago que sempre lutou com a vontade de ter um pai diferente.
Trocados os números e a promessa de Tiago de voltar a convidá-la para sair, Marta enfiou-se em casa com a sensação que o dia lhe tinha sido roubado à força e ficar com um dia a menos de vida. Podia ser a mais pura parvoíce para se pensar, mas ela estava ciosa do seu tempo a sós e, noutra altura, poderia ter achado piada a ter reencontrado Tiago Vargas tantos anos depois, mas hoje não.
Meteu-se na cama cedo com a intenção de ir à pesca a Setúbal no dia seguinte. A pesca continuava a ser o seu passatempo favorito pela calma e fusão com a natureza que a atividade lhe proporcionava e, apesar de ter noção ser estranho ver uma mulher sozinha, por ali, a pescar à linha ela sempre o fizera, quer no rio, quer no mar. Desde a adolescência que as rochas da praia da Figueirinha lhe conheciam o traseiro pela quantidade de horas que passava sentada nelas à espera de fisgar um pequeno sargo, que, orgulhosamente exibia ao pai e depois cozinhava para o jantar. Passava horas à espera que um peixe mordesse o isco. O pai ensinara-os a pescar, a ela e a Afonso, na época de férias em casa da tia Amélia, em Setúbal, durante duas semanas inteiras no Verão e, diariamente iam àquela praia, de águas geladas, tanto como a arca congeladora lá de casa. Preferia mil vezes pescar que ser obrigada a mergulhar na água fria com o pretexto de fazer bem aos ossos. Marta sempre fora sensível às mudanças de temperatura e tinha mais medo de água fria do que o gato Pompom que comia os ratos do celeiro.
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Marta olhou o horizonte. Ao longe avistava Tróia e o que restava do antigo embarcadouro que servia os ferryboats na travessia do rio Sado. O mar estava calmo e verdejava com o reflexo da serra. Nunca vira águas tão bonitas como aquelas. Quando avistadas do alto da serra da Arrábida, onde o verde da vegetação lhe dava uma beleza indescritível, a foz do Sado era um paraíso embora a serra testemunhasse crimes e desaparecimentos misteriosos ocasionalmente. Mesmo essa fealdade da vida não lhe tirava beleza e imponência com a península de Setúbal a seus pés. Aquele pedacinho de Portugal, tinha um encanto especial para si, pois testemunhara o seu amor por Afonso, quando nos últimos anos da adolescência dos dois, Marta e Afonso tiveram consciência do teor dos sentimentos que os uniam.
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A Cápsula do Tempo
RomanceDEGUSTAÇÃO Naquela fatidica tarde, Marta Ramires, estava longe de imaginar que iria encontrar o amor da adolescencia, Afonso Simões, às portas da morte, depois de vinte anos de separação por forças maiores que eles. Se Afonso e Marta pensavam que de...