Meu estômago roncava. Eu e Ícaro caminhávamos sem pressa, por mais que quisesse correr até o almoço, em direção ao palácio.
_ Estamos atrasados. – meu marido murmurou, após verificar os ponteiros de seu relógio de pulso.
Assenti com a cabeça.
_ Alguns segundos de espera não matam ninguém, Ícaro. – sussurrei.
_ Quando se é a líder dos Luminescentes, atraso não mata, mas desvaloriza. – rebateu ele.
Revirei os olhos, indignada. Meu guardião era muito rígido!
_ Relaxe, meu amor. Eu é que serei "desvalorizada", não você. – resmunguei.
Ele riu, parou e beijou-me o rosto. Não aguentei e soltei um suspiro apaixonado.
Já estávamos próximos à porta do palácio. Disfarçadamente, meu marido estendeu a mão em direção a minha, entrelaçando seus dedos aos meus, e respirou fundo, continuando a caminhar.
Abri um largo sorriso ao sentir o alívio que percorria nossos corpos por conta daquele simples gesto. Realmente Ícaro era o amor da minha vida, e, naquele instante, percebi que eu também era o amor da vida dele.
Sua expressão claramente suavizou ao sentir-me tão próxima de si.
Estávamos a pouquíssimos passos da porta. Mais alguns segundos e chegávamos.
Encarei-o nos olhos e murmurei:
_ Eu te amo...
Definitivamente não podia perder a chance de dizer aquilo. Estávamos num momento tão doce e simples! Agora, com Clara novamente em casa, sentia-me tão bem, tão amada e pronta para amar...
_ Também te amo, Lucy. – sussurrou ele, instantes antes de nos posicionarmos frente a porta.
Abri um sorriso e adentrei o palácio.
Poucos passos a mais e já estávamos no grande salão.
Ícaro desacelerou e parou bem no meio da entrada para a sala de jantar. Lá dentro, todos os luminescentes postavam-se solenemente de pé. Já minha filha, continuava sentada com um sorriso bobo no rosto.
Meu marido apertou de leve minha mão no instante em que Ana abaixou-se e cochichou algo no ouvido de Clara.
Ela piscou e encarou a porta com olhar assustado. Imediatamente deu um pulo na cadeira e tentou ficar de pé.
A cena seria engraçada caso minha filha não perdesse o equilíbrio...
Ao colocar-se de pé, Clara empurrou de leve sua cadeira, fazendo com que a mesma despencasse rumo ao piso frio do chão. Em seguida, com a perna engessada, deu um passo atrás e começou a cair. Imediatamente levei as mãos à boca, mas não tive a reação rápida de correr para ajudar. Nem eu, nem meu marido. Ícaro continuava parado a meu lado, os olhos arregalados, aguardando o momento inevitável em que nossa filha se chocaria contra seu assento pousado desajeitadamente no chão.
De repente, Marcel surgiu atrás dela e segurou-a com firmeza, dando estabilidade para que ficasse de pé novamente.
Clara arregalou os olhos e parecia assustada. Já meu amigo, disfarçadamente arfava.
_ Essa é nova! – exclamou ele, para aliviar a crescente tensão que invadia a sala. – Uma perna com gesso que serve de âncora? Adorei!
O rosto de minha filha se iluminou de forma instantânea. Imediatamente, abriu um sorriso e virou-se bruscamente.
_ Tio Marcel! – exclamou ela. Lágrimas começavam a escorrer por seu rosto.
A emoção encheu-me o peito ao observar aquela cena tão íntima dos dois. O amor que Clara sentia pelo tio estava estampado em sua expressão, transbordava a cada gota brilhante e transparente que surgia em seus olhos, para depois passear por suas bochechas e cair em direção ao chão. Lágrimas de alegria...
Rapidamente, minha menina lançou seu corpo contra Marcel e lhe envolveu num abraço aconchegante, ficando de costas para mim.
Meu amigo fitou-me. Seus grandes olhos azuis estavam marejados.
Abri um sorriso ao me dar conta do enorme sentimento presente entre ambos. Uma lágrima emocionada escapou de meus olhos antes que, com os lábios, desenhasse as palavras "vão conversar".
Marcel assentiu, balançando levemente a cabeça para cima e para baixo. Depois, tomou minha filha nos braços e acomodou-a em seu colo.
Ícaro abraçou-me, também extasiado por conta da cena. Com ternura, limpou as teimosas lágrimas que insistiam em saltar de meus olhos.
Voltamos a caminhar no instante em que Clara foi levada pelo tio corredores adentro.
Passamos pela cadeira caída e a ajeitamos à mesa. Em seguida, seguimos aos nossos devidos lugares, para enfim almoçarmos.
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O Ciclo de Sangue - A Escolha da Herdeira (livro 02)
FantasyClara tem 16 anos e já treina com os Luminescentes desde que se entende por gente. Entretanto, não é bem isso que seu coração deseja. Vivendo insatisfeita, Clara se revolta e muda de lado, surpreendendo e desestabilizando a todos, inclusive sua mãe...