𝓸𝓬𝓽𝓸𝓫𝓮𝓻

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são os sinos.

e o mar.

as gaivotas.

e os trompetes!

uma voz rouca e determinada.

o vapor sobe e esvai com as lembranças de falsa permanência.

dou às costas com um sorriso pálido nos lábios, despedindo-me da tarde calorosa, prestes a abraçar a noite de insônia e pesadelos rendados em bons vestidos e pérolas. rogo minhas preces para que o fim se entregue, porque desejo a vida eterna e não a condenação concreta de Deus e seus conselheiros.

eu poderia beijar o sal do mar, enlaçar o sorriso à faca de jantar, perfurar minha alegria em cristais austríacos da sala de artefatos. e dawon poderia me impedir, mesmo da prisão que é a cadeira de rodas e a linha traçada a sangue e suor de sua história. o século da violência deforma os quadros das paredes e mecaniza caminhos mal feitos entre si para despejar sua falsa misericórdia às entrelinhas subentendidas através dos bons olhos desenhados de artistas cuja vida não é uma orelha decepada. talvez mais do que isso.

eu poderia até mesmo conversar com o vento! mas as gaivotas ririam de mim, acho.

dawon não acha graça, embora sorria e estenda a mão toda a vez que me chama.

ela gosta de ir à cidade, desgrudar os olhos das paredes de mármore e piso de madeira; gosta de cumprimentar a florista e desafiar mentalmente os garotos de rua a roubar seus pães frescos. continuo empurrando sua cadeira pelas ruas de pedra, desejando pisar em falso a cada instante e encontrar novamente a voz distante que me acolhe. ela nunca está lá; o canto ressona dos lábios de dawon e sua juventude precoce eterniza a fonte da vida em uma flor que não me cheira. pego-me invejando sua conduta de boa fé, os cabelos livres ao vento. dawon não é uma estátua, embora eu esteja condenada às suas danças pela eternidade.

ela poderia beijar o sal do mar.

recolho seus vestidos do terraço e espero que Deus a embale no sono eterno. despejo meu anuário deformado aos pés de sua cama e choro para que cada moldura presa na parede me mostre o mapa construído para o fim dessa história mal contada. não quero ver homens bem resolvidos condimentando o que senti no exato momento em que meus lábios se chocaram à beleza da camuflada boa escolha, porque eles podem entender mal. e ninguém é um sábio juiz.

é hora de se levantar. o sol chora sua luz e dawon me chama pelas mãos. acho que ela quer dançar, mas é apenas um pedido para que a ajude a sair da cama.

afinal de contas, ela não consegue mais andar.

IRIWA ✧ ARIAZOnde histórias criam vida. Descubra agora