PRÓLOGO

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Emma

Senti uma brisa suave com cheiro de rosas entrar pela janela e acariciar minha pele nua. A brisa permaneceu, subindo pelas minhas costas. No segundo em que a senti tocar a pele exposta entre meu pescoço e ombro, percebi que não se tratava de uma brisa qualquer.

Eram beijos.

Instintivamente sorrio lembrando o motivo de estarmos emaranhados nos lençóis e sem roupa nenhuma. Seu nariz agora estava roçando um ponto sensível em meu pescoço.

— Bom dia, querida — disse ele contra minha pele.

— Bom dia — sussurrei à medida que suas caricias mudavam para outros pontos sensíveis em minha pele.

— Depois da noite de ontem eu estive pensando... — Shawn continuou enquanto eu me virava para ele. — o que você acha de nós esquecermos nossas obrigações reais e passar o dia inteiro aqui?

Sorri tentando evitar a claridade que entrava pela janela.

— O que? Acha que estou brincando?

— Você sabe que se tentar faltar algum compromisso, é bem capaz de a Lilian vir aqui em pessoa e acabar com toda nossa diversão. — refleti, tentando me concentrar enquanto ele puxava o lóbulo de minha orelha com os dentes. — e depois, quem iria governar o país?

— Ninguém. — Shawn mordiscou o delicado arco de minha orelha fazendo os dedos dos meus pés se contraírem. — contanto que eu tenha você ao meu lado ate o fim do dia, o país pode esperar.

Ele demorou a se acomodar entre minhas pernas, e enquanto isso comecei a analisa-lo. Seu cabelo estava uma bagunça completa, e seu corpo estava tão quente que cada partícula minha parecia implorar para que aceitasse a proposta dele. Enquanto isso Shawn traçava círculos preguiçosos e provocantes entre as minhas pernas. Calor encheu meu rosto, meu sangue. Eu me inclinei um pouco mais contra ele e abri levemente as pernas. Shawn moveu os quadris esfregando-se contra mim com tanta pressão que, por alguns segundos não me importei com o país, ou com os súditos, ou com quem quer que possa aparecer e nos atrapalhar.

E então, em um piscar de olhos as caricias haviam sumido, inclusive Shawn, e o nosso quarto.

Eu estava acorrentada ao chão, de onde estava tinha uma boa visão do teto com espinhos grandes e afiados que apontavam para mim. Ao fundo eu podia ouvir gritos desesperados, seguidos de gargalhadas de alguém. Eu não conseguia me mover. O mármore frio somado a brisa e o cheiro podre que entrava por alguma parte daquele cômodo me fazia estremecer sempre que entrava em contato com minha pele nua.

Quando finalmente consegui virar o rosto precisei me acalmar, para pensar em como sair daqui.

Mas havia sangue, morte, e dor vindo dos rostos das pessoas que me encaravam. Cada um, eu reconhecia eram as pessoas que matei mesmo que indiretamente a mando da revolução. E mais ao fundo, meus pais. A antiga monarquia de Norta, cujos rostos eu mal conseguia lembrar se não fosse por aquelas pinturas.

— Por quê? — perguntou uma mulher vestida de camponesa.

À medida que ela se aproximava os espinhos do teto pareciam tremer. Estendi as mãos o máximo que pude num alerta para que ela não se aproximasse mais, numa tentativa de dizer sem palavras que era perigoso. Mas estava claro que ela não tinha medo. Ela buscava vingança. E ia conseguir de qualquer maneira.

Havia uma cicatriz enorme em seu pescoço onde ainda sangrava. Então mediatamente soube quem era, da historia que Oliver havia me contado, da lembrança de Emilio. A família que fora assassinada a mando do rei, a que Oliver recebera a culpa.

— Por quê? — ela perguntou de novo. Havia uma criança ao seu lado, segurando a barra de seu vestido. De fato ela era parecida comigo, a verdadeira Emma.

As palavras saíram da minha boca antes que eu pudesse segurar:

— Não tive escolha.

Ela sequer se abalou com o tom da minha voz, apenas continuou avançando.

— Ele matou meus filhos! — gritou, e o teto parecia estremecer.

Me afastei, à procura de uma escapatória.

— Eu não sabia! Juro que não tive culpa!

Então ela parou a apenas alguns centímetros de mim. Fiquei à espera de que me chutasse ou me batesse, ou que encontrasse um jeito de vingar as vidas que lhe tinham tirado. Mas ela só ficou ali, me encarando como se decidindo se eu realmente valia o esforço. Então de repente, como se movida por uma força externa, ela gritou. O grito da mulher foi tão cortante que achei que minha cabeça pudesse se despedaçar.

Mas do contrario que eu esperava, ela não atacou.

Eu ouvi quando o teto estalou, e os espinhos se partiram.

E eu não pude fazer nada, não quando senti o fim cada vez mais próximo com a velocidade em que o teto abaixava. Cada vez mais perto. Eu novamente não conseguia me mover, não conseguiria impedir nada daquilo. Ao fundo podia ouvir alguém gritando e rugindo meu nome.

Mas sei que ninguém viria me salvar.

Eu sei que doeria, da mesma forma que deve ter doído quando todas aquelas vidas foram tiradas. Eu morreria de uma forma lenta, até que implorasse para que alguém me salvasse...

***

Fui puxada para fora de meu próprio sonho, como se estivesse sendo retirada de dentro mar onde eu estava me afogando. Eu ainda me sentia no sonho, e sentia que a qualquer momento o teto por fim me atingiria e acabaria com tudo.

— Respire.

Ordenou Shawn, mesmo eu ainda não conseguindo vê-lo. Os rostos daquelas pessoas estavam por toda parte como em ondas pela minha mente, meu corpo. Forcei meus olhos a se concentrarem, e senti o domínio do meu corpo voltar para mim.

— Mais uma vez.

Eu o fiz, e finalmente pude ver o seu rosto. Ele estava pálido, e os cabelos bagunçados. O rosto expressava preocupação.

— De novo. — falou olhando nos meus olhos.

Obedeci. Eu sentia meu estomago se revirar a cada respiração. Fechei os olhos tentando combater a tempestade que ameaçava se romper dentro de mim. Eu ainda conseguia ver: o rosto daquelas pessoas, todas me encarando. Culpada era disso que pareciam dizer.

Tive ânsia, mal deu tempo de me virar para a beira da cama quando vomitei todo o jantar para fora. De novo. De novo. Shawn puxou meu cabelo para trás, enquanto a outra mão fazia círculos tranquilizadores em minhas costas. Tentei me concentrar em minha respiração. Fiquei com metade do corpo para fora da cama por vários minutos, enquanto ainda sentia todas aquelas ondas se movimentando dentro de mim.

— As... Às vezes tenho esse sonho — falou Shawn ainda segurando meu cabelo enquanto eu vomitava mais uma vez. — em que estamos de volta na batalha, e você estava naquela biblioteca... Só que dessa vez, era tarde demais. E quando Oliver e eu te encontramos, nós vemos que o resto de minha família também estava lá, e então eu sinto meu corpo paralisado e não tenho escolha a não ser ver que fracassei em proteger vocês.

— Você jamais fracassou com nenhum de nós. — garanti, enquanto sentia meu corpo tremer.

Shawn permaneceu calado por um tempo, suas mãos ainda tentavam me tranquilizar.

Quando finalmente consegui respirar sem sentir que ia vomitar, quando a náusea passou, eu me virei para Shawn, meu marido e parceiro de alma... Então olhei em seus olhos e abracei sua cintura, enquanto as últimas lembranças do sonho se dissipavam de minha mente.

Shawn deixou um beijo em meu cabelo, do jeito que sempre fazia quando eu o abraçava. Sua forma de me dizer que nós havíamos sobrevivido, e passaríamos por mais essa juntos. Mas eu tinha esse desejo pulsante dentro de mim, de que nunca mais eu deixaria que alguém o machucasse daquela forma. De que nunca mais ninguém ameaçaria a vida de quem eu amo.

Nunca mais.


*** 

:)

Felizes para sempre | The SelectionOnde histórias criam vida. Descubra agora