Monólogo

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O Texto – Como Nossos Pais

Gilberto Rios

Escrito em 2003

(Baseado na música do mesmo título de Belchior e poemas de Vinícius de Moraes)

PERSONAGEM

Alexia - 28 anos, mãe solteira.

Cenário:

O cenário foi todo trabalho em preto e branco, simbolicamente as duas faces da personalidade, o bem e o mal, o certo e o errado. Sala de um apartamento. CDs espalhados pelo tapete, uma televisão ligada fora do canal, um vídeo, um som ligado sem o som da música, quadros na parede de Charlie Chaplin, Beatles, uma mulher nua e um enorme quadro do Belchior em tamanho natural. Em cima da televisão, um porta-retrato com a foto do filho. Mais ao lado, outro porta-retrato com a sua foto, sorrindo com uma flor no cabelo. Revistas de moda espalhadas pelo tapete, um litro de Whisky aberto, um copo no chão, um litro de água no barzinho, uma prateleira ao lado do barzinho cheia de comprimidos e algumas peças de roupas jogadas pelo chão. Álbuns de fotografias em cima do sofá. O relógio marca 23.15 h. Alexia sentada no sofá, com as pernas cruzadas, com dois ursinhos de pelúcia no colo.

A atriz está rasgando cartas dentro de uma cesta de lixo.

Alexia - Briguei com ela novamente. Como as nossas brigas são tão idiotas, nenhum gesto de carinho,...ternura,...e, amor. Um relacionamento tão seco, amargo... nem parecemos mãe e filha. Ficamos competindo, pois disputamos o mesmo homem na minha adolescência, o meu pai, o marido dela. Nunca arrumei o namorado certo, e, até a minha virgindade foi vigiada. O João, um namorado que eu tive aos 13 anos, morreu hoje. Os pais dele eram separados, e a mãe morava com outro homem, era um barato. Sim!...Eu achava. Sentia uma pontinha de ciúme, porque ela não era a minha mãe. O João tinha outros irmãos por parte da mãe, parecia-me tão felizes. A minha mãe detestava o nosso namoro, só porque ela era separada e tinha outro homem, achava que ele não era da minha condição, estes papos de que os pais sempre querem o melhor para os seus filhos. Aos 15 anos, ela me levou ao seu ginecologista, para saber se eu ainda era virgem. Foi ridículo e patético. Eu nunca trair a minha mãe. Ela me machucou muito,...doeu. Isto me dói até hoje, pois eu era virgem, eu ainda, era virgem.

Pausa – ri com deboche.

Alexia - Mal sabe ela que perdi a minha virgindade dentro de casa, na cama dela só para pirraçar e ainda por cima quase fui flagrada pelo meu irmão, com um antigo noivo que tive. Um panaca de marca maior. Mais, a briga que tive com ela ontem, foi idiota demais. Eu nunca faço nada certo, que a minha mãe esta lá para me condenar. Não consigo educar o meu filhinho, sem que a minha mãe não fique se intrometendo. Sempre dizendo como devo criar o meu filho. Ora, toda mãe sabe como criar o seu filho.

Ela apanha outra carta e começa a ler.

Alexia - Querida Alexia, tem momentos que tento descobrir qual é o verdadeiro significado do amor, mais você nos distância cada vez mais. Eu só quero uma chance com você novamente, pois quero criar o nosso filho. Por favor, vamos recomeçar, somos jovens, temos um filho bonito, não consigo compreender esta tua falta de tesão por mim. Depois que o nosso filho nasceu, você deixou de me amar. Não sei mais o que fazer. Te amo profundamente, Fábio.

Rasga a carta, acende um fósforo e toca fogo no balde.

Alexia - Conheci o Fábio, quando entrei na Faculdade, ele estava se formando e separando da sua mulher.

Levanta-se do sofá e vai até o seu porta retrato, admirando.

Alexia - Fiquei encantado com aquele homem que no início não queria nada comigo, comecei a paquerá-lo. Tinha um flerte na Faculdade, nada sem muita importância. Um garoto da turma, outro panaca, aliás, diga-se de passagem fui uma expert em namorar panacas. Mas, o Fábio era diferente. Me encantava, me deixava toda molhada e ainda por cima me esnobava. Era um desafio conquistar este homem e eu queria conquistá-lo. Cinco meses depois já estava-mos morando juntos e muito felizes. Neste momento, eu perdi os meus pais, principalmente o meu pai. Era tudo o que a minha mãe queria. Se livrar de mim, pelo ao menos,...por enquanto. Como eu era ligada a ele, um homem que eu disputei com ela, o seu carinho, o seu afeto, e,...o seu amor. O Fábio começou aos poucos substituir o meu herói, nas brincadeiras, no afeto, nos desejos, enfim em tudo. (Com raiva) Droga, eu não queria um substituto do meu herói, eu queria um homem de verdade, um homem rude, áspero, grosso, com as axilas com mau cheiro, que tira o meu fôlego. Eu não queria um homem idêntico ao meu pai. Eu não queria. (Com calma) Depois que o meu filho nasceu, fiquei oito meses sem fazer amor com o Fábio, não sei como o coitado sobreviveu sexualmente neste período. Não deve ser fácil para um homem esta abstinência sexual. Comecei a fazer terapia, para descobrir as causas e os efeitos da minha falta de apetite sexual. Comecei a perder o sono e ate hoje, só durmo com a companhia destes malditos remédios. Anafranil e Lexotan.

Como Nossos Pais! MonólogoOnde histórias criam vida. Descubra agora