Capítulo I ● Youngjae

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Nasci no dia 17 de setembro de 1996, às 3:33 da manhã, em Mokpo, Coréia do Sul.

Segundo meu pai, era verão, um verão tão intenso que as ruas do bairro onde ele morava racharam por conta do enorme calor. E as crianças eram obrigadas a brincar dentro de suas casas para evitar pegar uma insolação. O sol ardia como nunca antes forá visto, secando a grama e as folhas das árvores, como se eles morassem dentro do próprio fogão de Deus.

Porém, no dia em que eu nasci, naquele dia em específico, chovia lá fora, uma chuva torrencial, cheia de raios, trovões e sentimentos nervosos para escapar do peito de todas as pessoas presentes na pequena sala de espera da maternidade central. O tempo era lento, como se não estivesse com pressa nenhuma para passar, e fazia com que todas as pesssoas ali se sentissem ansiosas como em uma manhã de natal.

Ele conta que estava com medo, tinha um furacão de pensamentos passando por sua cabeça ao mesmo tempo, o tornando uma bagunça de sentimentos e emoções. Ele não sabia como faria para ser um bom pai, estava ficando louco por conta disso, talvez o fato de que daquele dia em diante ele seria responsável por criar uma vida ainda não houvesse se fixado completamente em sua cabeça, ele estava apavorado. Entretanto, ele diz que qualquer pensamento ruim deixou sua mente no momento em que ele entrou no quarto onde minha mãe estava e me viu deitado no colo dela.

Segundo ele, a primeira coisa que pensou quando olhou para mim foi que lá fora chovia, porque o sol estava dentro daquele quarto, enrolado em um cobertor azul da cor do céu e dormindo serenamente como um anjo. Eu iluminei o quarto do hospital e o coração dele, e fiz com que qualquer medo que ele tivesse sentido naquele dia deixasse de existir, e ele sabia que a partir daquele momento ele faria de tudo para me proteger, porque agora eu era seu pequeno sol, e sem mim o mundo dele não teria luz.

Hoje em dia eu desejo que o sentimento de proteção que ele sentiu por mim no momento em que me viu pela primeira vez somente tenha se intensificado quando ele recebeu a notícia um pouco depois do meu nascimento, quando ficou sabendo que eu tinha um defeito nos olhos, uma cegueira congênita, e que nunca seria capaz de ver esse tal sol ao qual ele me dizia parecer, assim como também não veria ele, minha mãe ou qualquer coisa do mundo, eu nunca veria nada, nada além da escuridão.

Gosto de imaginar que a notícia que ele recebeu não estragou a felicidade que ele sentiu no momento em que me viu pela primeira vez, sei que embora a ideia de ter um filho cego seja assustadora, a felicidade de ter um filho é maior do que qualquer coisa, e hoje, quando paro para pensar no que meus pais sentiram naquele dia, só desejo que eles não tenham parado de sentir a euforia de prensenciar o nascimento de uma vida.

Hoje em dia, quando pergunto a ele se mudaria algo no passado se pudesse, ele sempre diz a mesma coisa, que não, que não mudaria nem mesmo o fato de eu ser cego, pois a vida dele só é do jeito que é, porque tudo aconteceu do jeito que tinha que acontecer. E mesmo que eu goste muito de ouvir ele falar isso, algumas vezes eu simplesmente não posso evitar de pensar que talvez, se eu perguntasse a ele essa mesma pergunta no dia em que ele descobriu que seu filho era cego, a resposta seria diferente.

Quando eu era mais novo, ouvi minha mãe perguntar para ele o porque de isso ter acontecido logo comigo, entre todas as crianças que nasceram naquele mesmo dia, por que justo eu tinha que ter nascido sem a visão? Sei que ela não fez isso por mal, e sei que ela me amava mesmo com minha deficiência, mas não pude evitar de pensar sobre isso nas tardes em que eu passei sozinho em meu quarto, enquanto aprendia a ler em braille e a andar sem esbarrar em nada, a única conclusão em que cheguei até hoje, foi a de que isso não tem explicação, as coisas apenas são como são, e acontecem como tem que acontecer.

Eu sei que as pessoas precisam de alguém para culpar em situações como essa, é natural que elas culpem a Deus e o universo quando vêem pessoas assim, e até mesmo meus pais fizeram isso por um bom tempo, e tudo bem fazer isso, você precisa de alguém para culpar nessas ocasiões porque aceitar a verdade é dolorosa demais, e te machuca e te assusta, como os monstrons que tinham em baixo da sua cama quando você era criança. Aceitar a verdade dói, a verdade de que na verdade isso não é culpa de ninguém, eu apenas dei azar na roleta da vida e nasci cego.

Sei que todos sofrem por mim, e isso é natural também, eles sofrem pela minha perda, porque sabem que eu nunca vou poder ver um filme no cinema ou dirigir, ou ver as cores de um arco-iris ou a forma como o céu fica laranja no fim de tarde. Eles sofrem, porque não sabem que na verdade, para mim, eu nunca perdi nada. Eu nasci cego, e na minha cabeça isso é completamente normal. Nunca vi o mundo para saber o que perdi, e não posso sentir falta se eu nunca tive.

Eu nunca vi o sol para saber como ele brilha e sentir a ausência desse brilho. Nunca vi o mar para sentir falta do seu azul cristalino. Assim como nunca vi o céu estrelado para sentir falta dele quando as nuvens de chuva cobrem o céu em noites de tempestade. Também nunca vi tempestades. E eu não posso sentir falta disso porque nunca tive, então não sofro pelo mundo, porque nunca vi nada dele.

É claro que não posso dizer que não sinto vontade de enchergar as vezes, é óbvio que sinto, daria tudo para poder ver o sol e as estrelas, e ver o rosto da minha família ao menos uma vez na vida, mas não posso ver, e nunca vou poder, então apenas aceito a vida do jeito que ela é, mesmo que esse jeito seja muito escuro.

Foi complicado para a minha família entender isso, mas acho que é complicado para todas as familias quando elas tem que aprender a lidar com uma criança cega, e talvez se torne mais difícil ainda quando é uma criança cega de nascença. Minha família não é exceção, é claro, meus pais não sabiam como seria quando eu aprendesse a andar, nem como me explicariam as coisas e as cores, era natural que eles se sentissem assustados e com medo, mais por mim do que por eles. Todavia, fico orgulhoso de dizer que eles nunca pensaram em desistir de mim, eles me amavam mais do que tudo no mundo, e eles lutaram para me mostrar isso.

Então eles aprenderam a ver o mundo junto comigo, me ensinaram cada coisinha que eu sei, me fizeram "ver" o mundo deles, mesmo que eu não pudesse ver de fato, e quando aprendi a falar, ensinei a eles como ver o mundo da minha forma, e nós aprendemos juntos a viver, crescemos juntos em cada etapa da nova vida, e eu me orgulho mais ainda em dizer que eles fizeram um ótimo trabalho como pais.

Blind • 2Jae (HIATUS) Onde histórias criam vida. Descubra agora