Capítulo 01 - Um Terrível Dia de Trabalho

146 13 12
                                    

— Eliana, onde está minha camisa azul?


— Ahh! Marcos. Deve estar naquele monte de roupa sem passar ali no canto, ao lado do guarda roupas — respondeu ela ainda deitada na cama.


— Mas você sabe que hoje eu preciso sair mais cedo para o trabalho e não passou mesmo assim? — retrucou indignado caminhando a pesados passos dentro do quarto. Espalmou a mão sobre a face e suspirou.


— Meu amor, eu cheguei muito cansada da aula de canto ontem. Não consegui organizar tudo o que precisava — justificou ela. — Me perdoe? Sei que você não dormiu bem essa noite — concluiu.

— Tá, tudo bem. Realmente não dormi. Aqueles pesadelos me afligiram novamente. — Colocou fim a conversa enquanto tirava a blusa debaixo de um monte de outras por passar.

Eliana continuava deitada na cama do casal.

Marcos ligou o ferro de passar roupas.

Eles eram casados a pouco mais de dois anos e, recentemente, Eliana tinha percebido que Marcos começara a ter alguns pesadelos estranhos. Ele balbuciava, tremia, tinha alguns espasmos e acabava falando enquanto estava vivenciando-os.
Eliana sentia-se um pouco assustada diante daquela situação, mas não havia nada que poderia fazer.

Marcos terminou de passar a camisa, pegou um yogurt na geladeira. Deu um beijinho de despedida na esposa, outro em seu bebezinho Thiago, que ainda dormia no berço e saiu para o trabalho.

Marcos trabalhava como auxiliar administrativo em uma empresa no centro da capital. Levava uma hora e meia para se deslocar até o trabalho utilizando o transporte público. Caso utilizasse o metrô chegava com maior rapidez, entretanto os vagões seguiam tão lotados que era quase impossível se mexer lá dentro.
Por outro lado, sua esposa Eliana, já era bem sucedida. Havia concluído a graduação antes deles se casarem e logo em seguida tinha conseguido um emprego como psicanalista. Trabalhava com o que gostava e, mesmo com seus desafios diários, era feliz com o que fazia. Isso deixava Marcos muito feliz por um lado, por ver que a sua companheira estava "bem encaminhada na vida". Por outro lado, aquilo frustrava ainda mais Marcos que, mesmo sendo mais velho que ela e tendo as mesmas oportunidades, não soube aproveitá-las.

***

— Em cima da hora de novo não é Marcos? — indagou um sujeito fazendo com que Marcos se assustasse. Ele havia caminhado da estação do metrô até o trabalho, no "modo automático" e não via que já havia chegado. Várias vezes isso acontecia e ele só se dava conta de que estava trabalhando quando já estava sentado em sua cadeira com seu computador ligado.

— Melhor em cima da hora do que atrasado — respondeu sem dar muita importância.

— Relaxa, querido — falou em tom de deboche — só estou fazendo uma brincadeira contigo.

— Jair, não teria uma outra hora ou um outro dia, ou uma outra VIDA pra tu fazer essas tuas brincadeiras, não? — respondeu Marcos com rispidez. Passou por Jair e foi registrar o horário de chegada no relógio de ponto.

Ao longo do dia, o trabalho fluiu normalmente. Pacato e entediante como sempre. Marcos tendo que preencher várias planilhas, organizar alguns arquivos e emitir algumas notas fiscais aos fornecedores. No meio de todas aquelas atividades, regadas de muito café amargo, Marcos sempre se pegava pensando que poderia estar fazendo outra coisa da vida ou trabalhando com o que ele gostava, jogos eletrônicos.

Quase no final de seu expediente, seu chefe que se chamava Aroldo, um senhor de meia idade, com menos cabelo do que deveria e mais estresse do que conseguia acumular entrou na sala e disparou: — Você não tem vergonha não? Seu incompetente!

— O que foi dessa vez senhor Aroldo?

— Você não percebeu que encaminhou a planilha errada ao departamento financeiro e isso fez com que pagássemos um imposto maior do que deveríamos pagar?

— Preciso verificar essa informação, chefe — respondeu Marcos tentando controlar o nervosismo. 

— Tenho certeza de que passei a planilha correta, pois cheguei a conferi-la pelo menos duas vezes — concluiu.

Aroldo continuou gritando e esbravejando. Colocando sobre Marcos os piores defeitos que alguém poderia receber em um ambiente de trabalho. Marcos, porém, estava em um estado de transe em que tentava recordar de todo serviço que havia executado com aquela planilha. Lembrou-se que em um determinado momento, depois que havia conferido a última vez, deixou seu computador desbloqueado e foi ao banheiro. Quando saía de sua sala, Jair estava entrando para entregar um comunicado do departamento de pessoal.

— Deixe em cima da minha mesa, por favor Jair. Vou ao banheiro e quando retornar eu leio — tinha dito Marcos naquela ocasião.

Provavelmente então, Jair deveria ter alterado um ou dois valores da planilha e saído rapidamente, antes que Marcos se desse conta.

— Tudo bem senhor Aroldo — tentou por um fim a conversa. — Vou verificar novamente a planilha e ver onde está o erro. Depois, se o senhor quiser, eu mesmo entro em contato com o tribunal de contas para solicitar o reembolso deste imposto.

— O reembolso pelo governo demora mais de num sei quantos dias, Marcos — continuou esbravejando. — Vou descontar uma porcentagem do seu salário para você ver como é bom quando alguém mexe com nosso bolso.

"Você não pode fazer isso!" pensou Marcos, porém não ousou dizer. Deixa por isso mesmo. Jair iria ter o que ele merecia.

O chefe saiu.

Marcos que tinha grandes conhecimentos na área de informática, conseguiu invadir o servidor das câmeras da empresa, onde ficava armazenadas todas as filmagens.
Verificou alguns arquivos e encontrou o exato momento em que as suas suspeitas se tornaram reais. Jair realmente havia sentado em seu computador e editado a planilha.

Ele teria o que merecia, em breve.

Paralisia do Sono [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora