Peço licença aos senhores e senhoras para me apresentar.
Meu nome é Firmino Aparecido das Sete Chagas, e por meio dessas mal traçadas linhas passo a contar um causo ocorrido comigo na localidade de Faxinal das Botas de Judas, interior de Imbuial de Dentro, mas bem interior mesmo, daqueles interiores em que a noite é muito escura, mas tão escura que gato do mato tem medo de sair a noite e ser confundido com gambá.
Mas aquela noite que o fato ocorreu não estava tão escura, pois um luar clareava tudo, estranhamente iluminava mais que as outras luas, que muitas luzes de muitos postes. Mas não é esses postinhos mixurucas que tem por aí não, são postes com luzes fortes mesmo.
Sem mais delongas passo a contar o ocorrido quando fui no velório do meu, agora finado amigo, Alicirdo Torquato das Cruzes. Chegando lá, de pronto cumprimentei respeitosamente a viúva de Alicirdo com um abraço apertado. Continuei a apertar mãos e abraçar pessoas, conhecidas e desconhecidas e dividir as condolências com meus velhos compadres que também compareciam ao local do malfadado evento. Como de costume nos velórios de interior, fora servido muita cachaça com mel e limão. Sim, a famosa água que passarinho não bebe. Pelo menos os mais burrinhos não bebem. Eu e meus compadres bebemos muito e ficamos alegres, alegres com a partida do nosso velho amigo Alicirdo, já que agora Deus o tinha. Quando, depois de muito beber, percebi ao nosso lado a presença de um Cabra. Sim, um Cabra muito estranho, tinha um chapéu escuro na cabeça e segurava na boca um cigarro de palha, e parecia que participava da nossa conversa, porém calado, apenas observava a tudo e a todos. Achei estranho tão sombria presença, mas não lhe perguntei o nome, nem tive a audácia de perguntar aos compadres, evitando assim uma pergunta indevida. Por onde eu ia o cabra me acompanhava, ia até o banheiro, a figura ia atrás. Após beber mais um pouco percebi que o Cabra bebida também. Ao chegar onde a viúva estava e lhe dar mais um abraço de despedida, o Cabra fez o mesmo. Ao me chegar no caixão do nosso extinto amigo, o cabra se aproximou também. Ao fazer o sinal da cruz diante do defunto, o Cabra também fez o sinal. Parecia que queria me arremedar. Fiquei com tanta raiva que até ia tirar satisfação, mas resolvi deixar quieto, já que estava em um velório.
Fui me despedir dos meus compadres o cabra foi atrás também. Bebi mais um gole antes de me apressar no caminho de volta, o cabra bebeu também. Para não fazer nenhuma desfeita e demonstrar coragem, convidei o cabra para me acompanhar na escuridão da noite, iluminada apenas pela luz do luar. O cabra consentiu com a cabeça ao mesmo tempo que lhe perguntei. E lá me pus a caminhar de volta para casa e o cabra do meu lado. Apertei meus passos com a esperança de deixar o cabra pra trás no escuro, e o cabra apertou os passos também me acompanhando lado a lado sem cansar, no mesmo ritmo que eu. Ao me aproximar do cemitério perguntei ao cabra se tinha medo. Ao mesmo tempo que perguntei o cabra balançou a cabeça respondendo que não. O cabra seguia no mesmo ritmo forte que eu, sem dizer uma palavra. A rua que dava para minha casa ficava nos fundos do cemitério. Eu poderia dar a volta ou passar pelo meio do campo santo. Como estava bêbado resolvi passar por dentro do cemitério, na esperança do Cabra não me acompanhasse. Falei assim: _ vou por aqui, você pode seguir teu caminho caro amigo, nos despedimos aqui, vai com Deus que eu vou também. Ah mas porque ? Não é que o Cabra me acompanhou por dentro do Cemitério? Foi abrir o portão para cortar caminho o Cabra veio atrás. Eu andava cada vez mais rápido para não olhar muito nos túmulos iluminados apenas pela lua, e o cabra lá estava também, calado sem dizer uma palavra, mais calado que as tumbas que ali estavam. De repente uma coruja pia e levanta voo de cima de uma cruz. Saí em disparada de susto, e o Cabra sai em disparada também, lado a lado correndo de medo. Graças a Deus cheguei no portão mais rápido que um raio com o intuito de me escafeder dalí logo. Parei, abri e corri feito um doido depois de sair. O cabra parou, abriu junto comigo, e saiu correndo também. Quanto mais eu corria mais o cabra corria junto. Me desesperei tanto que corri feito o papa-léguas. Pois o cabra encarnou o papa-léguas também e correu feito um. Até que enfim cheguei no portão de casa, nem quis abrir, apenas pulei e o Cabra pulou junto, bati na porta desesperado e a mulher graças a Deus abriu a porta e me joguei pra dentro. Que desgraça ! O Cabra pulou pra dentro também. Gritei: _ Mulher pelo amor de Deus, me tira esse Cabra daqui, parece um encosto que não desgruda. - Gritei desesperado apontando em direção aquela figura sombria ! _ Se precisar acorde o Padre, Pastor ou Pai de Santo e traga um deles aqui agora.
A mulher balançou a cabeça e me dá uma dura.
_ Firmino você bebeu de novo ! Larga mão de ser besta seu peste ! Esse "tal cabra" aqui, nada mais é que a tua própria sombra!