JUNGKOOK
SEXTA-FEIRA, 5 DE JULHO DE 2013
MANHÃHá um montinho de roupas do outro lado do trilho do trem. Um tecido azul-claro — uma camisa, talvez — embolado com algo de um branco encardido. Deve ser parte do
conteúdo de um saco de lixo jogado em meio às árvores esparsas nessa encosta à margem da linha do trem. Pode ter sido deixado pelo pessoal da manutenção que trabalha nesta
seção da ferrovia; eles estão sempre aqui. Ou talvez seja outra coisa. Minha mãe dizia que eu tinha uma imaginação fértil; Taehyung dizia a mesma coisa. É inevitável: não posso ver uma dessas peças descartadas, seja uma camiseta suja ou um pé de sapato, que já começo a pensar no outro sapato e nos pés que os calçavam.
O trem dá um solavanco e, com um som estridente, volta a se arrastar pelos trilhos. O montinho de roupas some de vista, e nos deslocamos em direção a Seul na velocidade de uma pessoa correndo bem rápido. Alguém no banco atrás de mim dá um suspiro de
irritação e impotência; o trem parador das 8h04 de Busan a Seul põe à prova a paciência até do passageiro mais tarimbado. O trajeto todo deveria demorar 54 minutos, mas é raro isso acontecer: esta parte da ferrovia é muito antiga, está em péssimo estado
de conservação, cheia de problemas de sinalização e repleta de obras que nunca terminam.O trem continua a se arrastar; ele ultrapassa, trepidante, galpões e torres de caixa-d’água, pontes e casebres, e até casas vitorianas que se postam, recatadas, de costas para
os trilhos. Com a cabeça encostada na janela do vagão, vejo essas casas passarem como num filme. Ninguém mais as enxerga como eu; nem seus donos as veem deste ângulo. Duas
vezes por dia, tenho a oportunidade de espiar outras vidas por um breve momento.Observar desconhecidos na segurança do lar, por algum motivo, me traz uma sensação de tranquilidade.
O celular de alguém está tocando, uma musiquinha irritantemente alegre. Demoram para atender, ela continua a tocar e a tocar. Registro quando cada um dos meus companheiros de viagem se ajeita no banco, vira a página do jornal, digita algo no laptop. O trem balança e ginga de um lado para o outro, seguindo por uma curva, reduzindo a velocidade ao se aproximar de um sinal vermelho. Procuro não erguer o olhar, tento ler
o jornal que me deram quando entrei na estação, mas as palavras se embaralham diante dos meus olhos, nada prende meu interesse. Ainda posso ver, na minha mente, aquele
montinho de roupas abandonado do outro lado do trilho.NOITE
A espuma do gim-tônica em lata sibila quando eu a aproximo da boca. Amargo e gelado, o gosto das minhas primeiras férias com Taehyung, uma vila de pescadores na Costa Basca em
2005. Todas as manhãs, nadávamos quase um quilômetro até uma ilhota na baía e transávamos em uma de suas praias secretas e remotas; à tarde, sentávamos num bar e bebíamos gins-tônicas fortes e amargos, assistindo a hordas de pessoas que jogavam futebol de areia com 25 de cada lado, aproveitando a maré baixa.Bebo outro gole, e mais outro; a lata já está quase na metade, mas tudo bem, tenho mais três na sacola plástica aos meus pés. Hoje é sexta-feira, então não preciso me sentir culpado por estar bebendo no trem. Thank God It’s Friday.
A diversão começa aqui.
O fim de semana vai ser lindo, é o que estão anunciando. Sol a pino, céu claro.Nos velhos tempos, talvez fôssemos de carro até a Floresta de Corly com uma cesta de piquenique e o jornal do dia, onde passaríamos a tarde deitados numa manta sob o sol, bebendo vinho. Ou talvez fizéssemos um churrasco com amigos no quintal, ou fôssemos
ao The Rose beber umas cervejas ao ar livre, os rostos corando com o passar do dia por causa do sol e do álcool, e depois voltaríamos cambaleantes para casa, de braços dados, e pegaríamos no sono no sofá.
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The Boy On The Train
AcciónTodas as manhãs Jungkook pega o trem das 8h04 de Busan para Seul. O arrastar trepidante pelos trilhos faz parte de sua rotina. O percurso, que ele conhece de cor, é um hipnotizante passeio de galpões, caixas d'água, pontes e aconchegantes casas. Em...