Capítulo XIII
Carver olhou para o relógio no painel do carro e, com um gesto de mão, segurou a alavanca, pronto para acionar a engrenagem e sair da garagem de sua casa. Passava pouco das cinco e meia da tarde, quase duas horas depois de Katie deixar o churrasco na casa dos Fairweather, aos prantos.
Desejou intensamente ter ficado livre mais cedo para procurá-la. Porém, não poderia preterir Susannah ou tampouco sujeitá-la a presenciar uma discussão entre ele e Katie, já que a criança fora o pivô de tudo aquilo. Não... sua filha estava acima de tudo. Apenas desejava que não fosse tarde demais para pedir desculpas.
Com esse pensamento, manobrou o volante e pisou firme no acelerador, ordenando-se mentalmente a manter o autocontrole. Contudo, não pôde deixar de admitir que o autocontrole fora mais um inimigo do que um aliado nas explicações que teve de dar à filha, nas desculpas aos Fairweather pela saída repentina de Katie. Depois chamara a babá para ficar com Susannah e enfrentara o choque da mãe, quando lhe contou que Katie Beaumont precisava dele e estava saindo para ir ao seu encontro. Tudo aquilo lhe tomara tempo, tempo que o instinto o alertava que não deveria desperdiçar.
Olhando para o velocímetro notou que dirigia tão rápido quanto a lei lhe permitia. Decidiu manter aquele ritmo, pois sabia perfeitamente que se fosse parado por excesso de velocidade, perderia mais tempo. E já tivera atrasos demais.
Mil vezes pensara em apresentar Katie à filha. Se pelo menos houvesse feito isso, teria evitado que as coisas tomassem aquele rumo. No entanto não o fizera, e não tinha nenhuma desculpa para isso. Ele mesmo tivera dúvidas se seria prudente manter um elo entre as duas. Afinal de contas, Katie deixara bem claro que sua prioridade máxima era fazer o negócio de transporte especializado prosperar e que casamento e filhos, por ora, não estavam em seus planos. Tudo aquilo o fez questionar sobre o que poderia resultar de bom em apresentar-lhe uma criança que tivera com outra mulher. Errado! Errado! Errado!
Naquela tarde todas as coisas que Katie lhe dissera não deixaram dúvidas de que, desde o início, quisera mais do que um simples envolvimento sexual, e que a relação deles era mais importante do que qualquer outra coisa para ela.
A expressão de dor e sofrimento, e as lágrimas em seus olhos revelaram essa verdade.
Carver segurou o volante com mais força, amaldiçoando-se por ter sido tão cego, conformando-se apenas com o que julgava disponível em vez de tentar conseguir um pouco mais.
Katie queria mais, e ele não lhe oferecera.
O orgulho falara mais alto. O preconceito social que o pai dela nutrira em relação a ele distorcera-lhe os pensamentos sobre a imagem que Katie fazia dele. Era bom como amante, contanto que não assumisse uma posição de destaque em sua vida.
Entretanto, depois de tudo que ela lhe dissera naquela tarde, isso não poderia ser verdade e, se tivesse sido totalmente honesto consigo mesmo, teria deixado o amor-próprio de lado e apresentado Susannah a Katie. A semelhança entre Nina e Katie Beaumont era tão óbvia! Até mesmo uma criança de três anos percebera, pensando que Katie poderia ser sua mãe. Seu orgulho porém o impedira de rebaixar-se, revelando tal obsessão por ela.
Maldito orgulho!
Talvez também por orgulho, Katie tivesse negado o desejo de se casar e ter filhos. No encontro que tiveram em seu escritório, ela não poderia imaginar que se desenvolveria qualquer relação entre ambos.
Entretanto, não havia nenhum sinal de orgulho nos olhos que se encheram de lágrimas naquela tarde, lágrimas por não ser a mãe da filha dele. Katie se ressentira e sempre se ressentiria por ele não a ter esperado.
Aquela acusação silenciosa e torturante estaria por trás daquelas lágrimas ou seria seu próprio sentimento de culpa interpretando a dor dela? Fosse como fosse, tudo que sabia é que a dor era real e que fora culpado por isso, não Susannah. Ela não tinha culpa alguma pelo que estava acontecendo.
Afastara de sua vida a única mulher que sempre desejara e agora faria tudo que estivesse ao seu alcance para reconquistá-la.
No momento em que estacionou o carro, saiu apressado e caminhou com passos firmes em direção ao apartamento de Katie. Não era tarde demais, convenceu a si mesmo. Não deixaria que fosse.
Pressionou o botão da campainha e ficou esperando durante vários segundos. Caminhou impaciente de um lado para o outro, enquanto a porta permanecia fechada mais tempo do que parecia razoável. De repente, um golpe de incerteza o atingiu. E se ela não tivesse voltado para casa?
Regressou ao hall de entrada para examinar os carros estacionados na rua. A tensão se aliviou ligeiramente quando avistou o veículo, que Katie chamava de "transportador de crianças", estacionado em uma pista lateral. Ela tinha que estar em casa, embora talvez muito abalada para receber quem quer que fosse.
Atormentado por esse pensamento, Carver voltou à porta do apartamento e tocou a campainha novamente. Nada. Não só não obteve nenhuma resposta, como também não ouviu qualquer som proveniente do interior. Aquele silêncio começou a preocupá-lo.
Cerrou o punho e bateu na porta com força.
— Katie! — gritou, batendo ainda mais forte. — De súbito, lhe ocorreu que ela não o esperava àquela hora. Jamais fizera isso antes. — Katie, sou eu, Carver! — gritou outra vez, golpeando a porta com ambos os punhos. — Se você não abrir, vou arrombar!
A ameaça foi impelida pelo medo de não ter uma chance de esclarecer as coisas entre eles. Continuou batendo à porta várias vezes até ouvir o ruído da corrente de segurança.
Não apareceu ninguém. Tudo que vislumbrou foi um pequeno espaço vazio que dava para o interior do apartamento. Instintivamente colocou o pé na pequena abertura, protegendo o diminuto território que alcançara.
— O que quer, Carver? — As palavras soaram ásperas. Katie estava por detrás da porta, fora de qualquer ângulo de visão. Obviamente, evitando encará-lo.
Carver respirou fundo. A lembrança das lágrimas dela ainda estava muito viva em sua memória, e a necessidade de aliviar-lhe aquele sofrimento o torturava.
— Precisamos conversar, Katie. Deixe-me entrar.
Naquele instante, todos os seus sentidos estavam alerta, atentos àquele campo de batalha em que lutaria por sua vida com Katie Beaumont.
— Não estou com vontade de falar com você, Carver. Perdeu seu tempo vindo até aqui. Vá embora, deixe-me sozinha e não volte nunca mais.
Carver não estava disposto a admitir aquela derrota, contudo, não poderia forçá-la a aceitar sua presença. Persuasão era o único recurso disponível, embora as palavras que lhe vieram à mente expressassem a súbita desolação que sentia.
— Então, está tudo acabado, Katie?
Silêncio absoluto.
Mas que pergunta estúpida, censurou-se. Em geral, só vinha ali para ter sexo e, agora, certamente, não era isso que Katie queria.
— Se não está com vontade de falar, tudo bem — disse ele, em um tom suave. — Mas pelo menos me escute. Por favor, dê-me uma chance de esclarecer as coisas entre nós, Katie.
— Esclarecer o quê, Carver? — perguntou entediada. — Não quero mais ser sua amante secreta.
Amante secreta?, repetiu ele, mentalmente. Tal imagem humilhante causou-lhe repulsa, porém, não fora desse modo que a tratara durante todo esse tempo?
— Você pode falar até amanhã de manhã que não mudará meu modo de pensar — murmurou Katie, amarga. — E se pensa que me tocando conseguirá alguma coisa...
— Não! — interrompeu-a angustiado pela opinião que ela fazia a seu respeito. — Eu apenas quero lhe falar sobre Susannah, minha mãe e todas as coisas que você perguntou hoje. Sinto muito por tê-la feito pensar desse modo, Katie. Estava errado e quero reparar isso.
— Errado? — repetiu ela.
Carver não distinguiu se o tom de voz era de descrença, escárnio ou simples incerteza.
— Acho que estava errado acerca de muitas coisas. Fale comigo, Katie, ajude-me.
Seguiu-se um longo silêncio. Depois finalmente ela falou:
— Está bem. Mas será apenas uma conversa, Carver — advertiu com firmeza.
— Sim — concordou rapidamente, removendo o pé da pequena abertura.
Ela fechou a porta para liberar a corrente de segurança e a abriu novamente, permitindo que entrasse. Isso era tudo. Apenas uma permissão, não um convite. Katie afastou-se da porta antes mesmo que Carver percebesse que ele próprio deveria empurrar a porta para abri-la. Quando entrou, avistou-a caminhando para o outro lado da sala de estar, de costas para ele.
Ficou parado, observando-a sentar-se na beira da cama, na qual compartilharam tantos momentos de prazer.
Katie cruzou os braços, parecendo proteger-se, e, em seguida, ergueu a cabeça, encarando-o com uma expressão desafiadora.
Com certeza aquilo não era um convite para uma noite de amor.
Carver não fez movimento algum. A questão era como vencer a distância que se instalara entre eles. A impressão que tinha era de estar pisando em um campo minado, onde cada passo deveria ser estudado cuidadosamente, pois poderia significar a morte. Então, com um tom cauteloso começou a falar:
— Em momento algum pensei em você como minha amante secreta, Katie. Para mim, era como ter um pequeno mundo só nosso, onde nada e ninguém pudesse nos prejudicar. Apenas nós dois.
— Um ninho de amor particular — observou ferina.
— Sim.
— Com a finalidade de satisfazer desejos estritamente sexuais. Poderia me considerar uma prostituta, exceto que não precisava pagar pelos meus serviços — disse ela, escarnecendo.
— Da mesma forma, que poderia me considerar seu gigolô. — Havia um quê de desafio na resposta.
Katie mordeu os lábios em um gesto nervoso. Fixou os olhos no chão, e um rubor intenso tingiu-lhe o rosto.
Carver percebeu o erro de imediato. Afinal, aquilo não era uma guerra e sim uma oportunidade de corrigir o que estava errado.
— Desculpe-me. Porém, acredito que estávamos satisfazendo-nos mutuamente.
Katie permaneceu em silêncio, olhando para baixo. Carver imaginou quanto deveria estar furiosa consigo mesma por estar sendo lembrada de como a relação deles fora baseada em sexo e achou mais prudente mudar de assunto.
— Susannah gostou muito de você.
Novamente Katie comprimiu os lábios.
— É o meu dom. Tenho afinidade com crianças. Foi nisso em que baseei meu negócio — respondeu secamente.
— O que achou dela? — perguntou suavemente, não querendo angustiá-la mais. Ainda precisava ter algum indício de que Katie suportaria um envolvimento mais íntimo com Susannah.
Carver suspeitou que novamente as lágrimas rolariam pelo seu rosto e se amaldiçoou por não ter idéia de como agir se isso acontecesse.
— Eu sei que foi um choque encontrá-la sem qualquer aviso — disse ele, suspirando fundo. — Se o encontro houvesse sido planejado, eu a teria preparado para a semelhança. Preparado ambas... você e Susannah. Teria lhe dito que você não era a mãe dela.
Katie permanecia em silêncio sem encará-lo. "O que fazer? O que poderia dizer para acabar com aquele sofrimento? Falar a verdade", pensou ele.
— Eu gostaria que fosse a mãe de Susannah, Katie. Para ser honesto... o modo como Susannah foi concebida... Fui a uma festa e bebi um pouco mais do que devia. Depois, olhei para Nina, ela se parecia muito com você. Era como uma substituição. Foi assim que aconteceu, e não posso modificar o passado. Mas não há um só dia que não olhe para minha filha e não pense em você, desejando que tudo houvesse sido diferente.
Katie fitou-o com os olhos marejados de lágrimas.
— É verdade, Carver? — perguntou com a voz trêmula.
A expressão de sofrimento no rosto dela despiu-lhe os últimos fragmentos de orgulho.
— Sim, sempre desejei isso — respondeu, em um tom suave e confidente.
— Então por quê? — O grito angustiado não deixara nenhuma dúvida de como Katie se sentia. — Por que a manteve afastada de mim até agora?
Carver respirou fundo, lutando contra a imensa vontade de carregá-la para a cama, abraçá-la com força, proporcionando-lhe todo o conforto físico que pudesse.
— Por vários motivos — murmurou ele, tentando achar coerência no que dizia. — Fantasmas do passado, ego ferido, uma interpretação errada do que, na realidade, você desejava. Enfim isso tudo é passado, e nada disso importa agora.
Katie suspirou, lançando-lhe um olhar gélido.
— Então, o que importa, Carver?
Ele conhecia aquela resposta há muito tempo. Tinha-a pronta para o momento em que estivesse certo de que ela superaria o choque inicial e pudesse ser amável com Susannah.
— Se nós dois ficarmos juntos, poderá dar certo desta vez.
— E o que isso significa para você? — perguntou ela, com uma expressão distante. — Nem mesmo contou à sua mãe.
— Contei. Ela sabe que estou aqui. E também sabe quanto significa para mim mantê-la em minha vida.
A surpresa emprestou um brilho de vida à face de Katie.
— Você contou?
— Sim.
— E como ela reagiu?
— Não importa. A opinião dela não me influencia em nada. Nunca influenciou, Katie. Nem há dez anos e tampouco agora.
A expressão de espanto de Katie revelava que ainda havia muitas dúvidas e incertezas do passado. Apenas a ação poderia dissipá-las.
— Aceitaria um convite para almoçar em minha casa domingo que vem? — perguntou ele, impulsivamente.
— Almoçar? Você quer dizer com sua filha e sua mãe?
— Sim. A menos que prefira de outro modo.
Katie parecia hesitante.
— Minha mãe tem um apartamento independente dentro da casa. Ela não notará se...
— Não! — interrompeu ela com veemência. — Quero encontrá-la — acrescentou com um ar decidido.
Carver percebeu que aquilo representava uma enorme barreira para ela e quanto estava disposta a derrubá-la.
— E então? Aceita?
Katie arqueou as sobrancelhas considerando o convite.
— Acho que Susannah ficou confusa esta tarde.
— Não. Ela compreendeu que estava errada e, de qualquer forma, achou que seria muito bom se você fosse realmente a mãe dela.
As lágrimas brotaram de novo nos olhos de Katie.
— Ela é uma criança adorável, Carver. O mérito é todo seu pelo modo como a está educando.
— Susannah gostaria de vê-la de novo. Você se incomodaria?
Ela meneou a cabeça devagar, esboçando um sorriso tímido.
— A vida continua. Apenas temos que aceitar e dar o melhor de nós, não é mesmo?
— Você se portou admiravelmente hoje e lhe agradeço por isso.
Katie encarou-o, demonstrando uma certa insegurança quanto àquela mudança repentina de atitude. Naquele momento, Carver constatou quanto ela estava vulnerável e que não alimentava esperanças de que algo de bom pudesse vir a acontecer entre eles.
Carver lutou outra vez para conter o desejo ardente de tomá-la em seus braços e fazer amor tempestuoso e selvagem até convencê-la completamente de que nada poderia separá-los desta vez. Porém tinha dúvidas se conseguiria fazê-la acreditar naquilo através de carícias e beijos. Concluiu que o melhor a fazer era mantê-la afastada da tentação daquela cama.
— Por que não damos um passeio, Katie? — sugeriu. — Está uma noite tão agradável.
Katie parecia meio atordoada.
— Está me pedindo para sair com você?
— Você gostaria? Notei que não comeu muito no churrasco dos Fairweather. Poderíamos jantar em algum restaurante.
Ela levantou-se da cama, visivelmente perturbada, puxando os cabelos para o alto da cabeça.
— Preciso me arrumar um pouco.
— Gaste o tempo que for necessário. Não me importo em esperar.
— Obrigada, gostaria mesmo de dar um passeio.
Katie caminhou em direção ao banheiro, enquanto ele suspirou sentindo um certo alívio. Ainda havia muitas feridas a serem cicatrizadas, antes que pudessem levar adiante aquele relacionamento, mas pelo menos aquilo era um começo.
Carver fitou a cama por um longo minuto. Não mais amaria Katie ali, até que estivesse seguro dos verdadeiros sentimentos que nutria em relação a ela. Imerso em tais pensamentos, atravessou a sala, alcançando a porta do apartamento e saiu para o corredor. Deixaria suas intenções absolutamente claras, não esconderia mais nada dela. Dedicaria aquela noite a Katie.
Momentos depois, ela surgiu com um brilho revigorado na face. A boca realçada por uma leve camada de batom, e os olhos brilhantes, desprovidos da tristeza e das lágrimas de há pouco.
Carver percebeu que Katie o fitava com um olhar esperançoso, e a tensão em seu peito desapareceu.
Ela fechou a porta atrás deles. Pôs a chave na bolsa e virou-se para Carver, fitando-o com uma expressão de quem está ciente do perigo que corre mas não sabe como evitá-lo.
Com um gesto afetuoso, ele estendeu-lhe a mão.
Lenta e quase timidamente, Katie deslizou sua mão pela dele.
Aquele gesto revelava confiança, pensou Carver.
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Baile De Máscaras
Lãng mạnParecia ser só uma aventura... Quando Craver Dane, sócio de uma das maiores instituições financeiras de Sidnei, foi a um baile de máscaras, esperava se divertir com uma mulher que lhe despertasse as mais loucas fantasias e aplacasse seu desejo arden...