Prólogo

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Perdas são necessárias. Ao menos foi isso que me disseram uma vez. Sinto-me sem chão, não suporto mais tantas perdas. A única coisa que aprendi até o momento foi sofrer e sentir saudades. E o pior de tudo é mostrar uma força inexistente.

Há um mês perdi meu pai, ele não suportou a dor da culpa e desde a morte do Igor, meu irmão gêmeo, ele já não era mais o mesmo. Meu pai se entregou a bebida, ele simplesmente desistiu da vida. Não importava para ele a minha dor. Em sua cabeça somente ele sofria, nem mesmo com a mamãe ele se importou. E pensar que há três anos éramos uma família feliz.

A tristeza pela morte do meu pai não chega nem perto daquela que sinto quando lembro-me do Igor. Toda vez que penso em meu irmão o meu coração se comprimi, não me conformo em tê-lo perdido. Meu irmão era tudo para mim, nós brincávamos na mesma proporção em que brigávamos, mas sempre estávamos juntos. Igor era um garoto brilhante e cheio de vida. Nunca poderia imaginar que ele fosse me deixar tão cedo.

Caminho por meu quarto segurando uma fotografia de família. Sento-me na cama e olho para a imagem. Era um domingo de sol, e papai decidiu passear conosco e nos levou ao Jardim Botânico. Lembro-me bem desse dia. Eu e Igor corríamos, sempre com muita energia. Em algum momento, minha mãe pediu a um casal que tirasse nossa foto, tanto eu quanto o Igor chiamos, pois odiávamos tirar foto.

Minha mãe com seu sorriso e olhar doce nos convenceu, no final saiu uma bela foto de família. Agora vendo essa foto vejo o quanto papai parecia nos amar, seus olhos estavam alegres e ele abraçava minha mãe com carinho. Na frente deles, eu com um vestidinho estampado com flores e um laço na cabeça. Meu irmão estava um pouco descabelado, pois sempre foi mais danado que eu. Todos nós sorriamos, estávamos realmente felizes. Aquela tarde de domingo nunca mais saiu de minha memória.

Foi a última vez em que estávamos os quatro juntos. A família perfeita.

Ouço a porta se abrindo e subo meus olhos. Minha mãe me fita abatida e traz um sorriso triste em sua face. Ela deve estar sofrendo mais do que eu, por isso não posso demonstrar minha amargura, afinal mais do que nunca, ela irá precisar de mim.

— Mamãe? Está sentindo alguma coisa? — questiono preocupada.

Ela nega com a cabeça e entra no quarto, senta-se ao meu lado e pega a foto em minha mão.

Ela suspira.

— Sinto falta desse dia — comenta com voz embargada.

Eu acarinho seu ombro e engulo a vontade de chorar.

— Sim, foi um belo domingo em família.

Minha mãe me olha com lágrimas não derramadas em seus olhos.

— Filha, prometa que você será feliz. Não se deixe abater por nada, pois há algo de muito bom reservado para você — declara com voz firme.

Eu sorrio.

— Eu serei, e a senhora também — assevero.

Uma lágrima solitária passeia por seu rosto, minha mãe estende a mão e acaricia meu rosto.

— Infelizmente como você já sabe não permanecerei ao seu lado por muito mais tempo — revela conformada e tenta sorrir. — Você precisa estar preparada, minha filha. Você deverá ser forte.

Se ela soubesse o quanto me sinto perdida não falaria isso. Porém não posso deixar minha mãe sofrer ainda mais. Devo demonstrar coragem.

Aproximo-me dela e a abraço.

— Mãe, a senhora pode contar comigo até o fim — digo com um nó na garganta.

Mamãe me aperta em seus braços magros.

— Eu sei filha, porém você cuidará do seu futuro. Continuará a estudar. Isso é uma ordem.

Saio de seu abraço e nos encaramos.

— Neste caso, acatarei sua ordem — respondo rindo.

Minha mãe começa a tossir e a levo de volta para o seu quarto. Ao menos com ela terei tempo para me despedir.

Só espero um dia poder tirar esse vazio em meu peito e acreditar no que mamãe disse.

Há algo de muito bom reservado para você...

Foram muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Confesso ser difícil acreditar, mas fiz como ela pediu, não me abati e quando a tristeza vinha eu lembrava dos bons tempos, pois viver boas lembranças foi o que me restou.


Meu Indomável DevassoWhere stories live. Discover now