Nathalia estava trancada em seu quarto. Deitada na cama, ela chorava, lembrando-se do ocorrido de alguns minutos atrás. Era a primeira vez que o namorado agia assim com ela, de maneira bruta. Guto ainda estava na cozinha, com a faca em mãos. Começou a apertar fortemente a parte amolada, como se sentisse prazer naquela dor. Permaneceu assim por uns minutos, até que ouviu o telefone tocar. Aquele som pareceu lhe despertar de um transe, devolvendo sua racionalidade. Ao notar aquele objeto em suas mãos, espantou-se e o devolveu à gaveta. O telefone continuava tocando, então Guto o atendeu.
– Alô. – bradou, esperando a resposta do outro lado da linha. Após, continuou. – Sim, sou eu mesmo, em que posso ajudá-la?
Guto agora estava paralisado. Espantou-se com o que ouviu. Sentou-se no sofá, largando o telefone que caiu no chão.
Na fazenda, Lucas e Afonso brincavam no quintal. Corriam atrás de algumas galinhas. Afonso adorava esse tipo de diversão, principalmente na companhia do pai. A brincadeira estava boa, tudo corria bem, até que ambos ouviram o barulho de uma caminhonete. Eles bem sabiam de quem se tratava e, no mesmo instante, o desanimo e medo tomaram conta de Afonso. A criança não gostava do tio que os visitavam de vez em quando. Lucas partilhava do mesmo sentimento do filho e, por isso, os dois foram para o quarto e se trancaram lá.
Lucas estava ciente que a presença daquele homem ali não poderia significar boa coisa. Ouviu barulhos na sala, provavelmente de Rebeca e o tio. Queria escutar aquela conversa, mas, por mais que tentasse, não ouvia nada na sala. Assim, movido por sua curiosidade, abriu a porta e, sorrateiramente, aproximou-se da sala, tomando cuidado para não ser visto ou ouvido. Ao chegar o mais perto que pôde, Lucas ouviu, ainda que com muito custo, parte da conversa. Rebeca e o tio estavam falando baixo, pareciam querer esconder aquilo. Entre palavras confusas e quase que não ditas, Lucas ouviu Rebeca falar em um nome que, outrora, lhe despertou curiosidade. Ao escutar o nome de Guto, Lucas deu um pequeno grito de espanto, que acabou chamando a atenção das duas pessoas que se encontravam na sala. Ao entrar no quarto, Lucas, mais uma vez, trancou a porta e, do nada, uma forte dor de cabeça começou a perturbá-lo. Fechou os olhos e sentou-se ali, no chão do quarto. Finalmente, lembranças mais claras e reveladoras lhe vieram em mente e, pela primeira vez, desde que perdeu a memória, pôde visualizar o rosto de Guto.
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– Você quer dar sonífero para a Beca, é isso? – Lucas não compactuava com a ideia. – Mas por que a vovó quer fazer isso?
– Não é sonífero, Lucas, parece que você nunca presta atenção nas coisas que eu falo. – Guto estava impaciente, sempre se chateava quando o irmão não entendia as coisas. – É uma espécie de calmante, entende? Você e eu sabemos o quanto Beca anda estranha, não é?
Lucas apenas assentiu com a cabeça. Guto continuou.
– Pois bem, a vovó também percebeu isso. Rebeca anda muito diferente, vendo e ouvindo coisas, conversa sozinha, age de maneira duvidosa. Vovó só quer ajudar ela. – Guto respirou fundo e acrescentou. – Nós dois amamos a Beca, não amamos?
– Claro que sim não tenha dúvidas disso. – Lucas baixou a cabeça. Guto, segurou uma das mãos do irmão e continuou a falar.
– Então, Lucas, nós temos que fazer de tudo por ela, para ver nossa irmã bem. Eu tenho certeza de que vovó pode ajudar ela. Na verdade, nós já sabemos o que fazer, só queria saber se podemos contar com você... Podemos?
Lucas permaneceu calado por um tempo. Estava pensando na proposta do irmão. Acabou consentindo, pois queria que Rebeca ficasse bem. Minutos depois, estavam, na garagem, Lucas e dona Edwirges.
– Vovó, o que a senhora vai fazer com a Beca? – questionou Lucas, cabisbaixo. Dona Edwirges, no entanto, olhava seriamente para a entrada da garagem, estava concentrada, não queria ser pega de surpresa quando Rebeca e Guto chegassem ali. Sem olhar para o neto, a velha senhora apenas respondeu:
– Um ritual de purificação. – respondeu, secamente. – Rebeca está com problemas espirituais e temos que agir antes que seja tarde.
Lucas não compreendeu o que a avó tinha falado, mas antes de expressar qualquer reação, ouviu barulhos vindos do lado de fora da garagem. Olhou para a entrada e fitou Rebeca e Guto entrando no recinto. Dona Edwirges foi a primeira a se pronunciar.
– Finalmente. Ela tomou o suco, Guto?
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Lucas estava tão perdido em suas lembranças, que não ouviu as muitas batidas na porta do quarto. Afonso estava deitado na cama, assustado com todo o barulho. Lucas, assim que se recompôs, abriu a porta, ainda atônito por conta das lembranças.
– O que está acontecendo aqui? – questionou Rebeca, que parecia estar furiosa. – Estávamos batendo nesta porta há tempos e ninguém abria. Por que a porta estava trancada, Lucas?
– Beca...
Ao ouvir aquilo, Rebeca paralisou. Ficou trêmula, assustada. Um filme passou pela sua cabeça. Há quinze anos que Lucas não a chama assim. Ninguém mais a chamava assim. Ouvir aquilo a amedrontou. Estava com medo de que Lucas tivesse recuperado toda a memória, lembrando-se de tudo o que ocorreu na fazenda, principalmente dos assassinatos. Lucas estava com os olhos marejados. Sua cabeça ainda doía bastante, seu peito estava acelerado, mas o que lhe incomodava, de fato, era uma única coisa. Com muito custo, ele levantou-se, encarou Rebeca e, finalmente, perguntou.
– Beca... você e eu... nós somos irmãos?
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Descendência Malter (Em processo de revisão )
TerrorQuinze anos se passaram desde o ocorrido na fazenda Malter. Guto, ainda que com cicatrizes, tentou seguir sua vida. Estudou, trabalhou, formou-se em administração e hoje, ao lado da namorada Nathalia, viveria uma vida razoavelmente boa em Porto Aleg...