Capítulo único.

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Júlia estava arrumando suas coisas depois de uma manhã exaustiva na escola quando alguém parou na sua frente. Ela ergueu os olhos e viu Suzana, a linda Suzana, com sua pele morena e seus longos cabelos lisos, com seu sorriso doce e atitude positiva parada diante dela com um convite para uma festa de Halloween na mansão Flores.

Júlia não pensou duas vezes, aceitou o convite e já começou nervosamente a bolar sua fantasia. Tinha que ser impecável, para fazer jus à grandeza da mansão Flores e, principalmente, impressionar Suzana, a linda Suzana.

Com pouco dinheiro para gastar em seu look, Júlia foi buscar nos brechós da cidade. Entrou em cada um e examinou cada canto deles sem sucesso. Até que, quando já estava desistido, notou um pequeno estabelecimento escondido numa esquina. Entrou sem muita expectativa mas lá estava, a fantasia perfeita

Foi em um canto escondido e empoeirado que ela o viu. Um vestido velho, mas lindo. De um tecido que um dia fora rosa mas estava em um tom estranho de bege, com detalhes pretos, mangas bufantes e coberto de renda rasgada. A vendedora fez uma cara esquisita para a escolha de Júlia mas o vendeu com o estranho pedido que ela não fizesse alterações no vestido.

Mas é claro que ela não ouviu, era um vestido velho e precisava de ajustes para caber no corpo magro e reto de Júlia. Feitas as alterações, o vestido não era mais o mesmo e nem ela, ele agora estava muito mais detonado e ela contava com cabelo frisado e maquiagem carregada, parecia muito mais madura que seus 15 anos. A perfeita imagem da noiva cadáver, isso com certeza impressionaria Suzana, a linda Suzana.

Na festa, Júlia estava exultante. Sua fantasia foi elogiada e tão logo ela chegou já estava conversando com Suzana que ficou ainda mais linda vestida de vampira. Estavam no meio de uma risada quando começam a acontecer umas coisas estranhas. As luzes piscaram e vultos começam a rodear o lugar. Sons estranhos, risadas e barulhos de coisas batendo ecoaram pelo salão.

Todos acharam que era parte da festa, mas Suzana sabia que não era, assim como Júlia. Elas começam a tremer quase em sincronia e seus olhos arregalados se encontram. Nada precisa ser dito, elas agarraram uma a outra e deixaram o local fingindo costume, como se precisassem enganar o que quer que estivesse produzindo aquilo tudo, porque estava se aproximando, ficando mais forte a cada segundo assim como o passo das meninas mansão adentro.

O resto do casarão era tão glamoroso quanto o salão principal mas elas nem notaram isso.

Escolheram uma porta ao acaso que acabou se revelando um banheiro, sem uma palavra se acomodaram na banheira chique, o que não importava muito porque os barulhos se aproximaram, elas ouviam passos, batidas e risadas.

Muitas risadas.

Longas e estridentes risadas.

Baixas no começo, mas aumentando chegando e chegando interrompidas apenas pelos fortes batimentos das duas garotas, até que esses também não eram mais ouvidos. Só risadas, e baques, e passos e o medo, o mais audível de todos correndo por suas veias mais rápido que o sangue, entrando em seus pulmões mais forte que o ar.

O que quer que fosse aquilo estava chegando. Chegando, chegando, chegando, chegando e a porta se abre.

E o barulho cessa. O barulho cessa mas não o medo, o medo está latente, consumido seus ossos e congelando seus corpos. Elas não conseguem olhar quando algo adentra o recinto, não conseguem olhar quando essa coisa se aproxima de Júlia totalmente em silêncio, sem risadas, sem baques, sem passos.

Apenas mãos, mãos cinzas e putrefatas passeando em seu corpo. Tocando suas saia, seu corpete, suas mangas e então o zíper.

Nenhum som é emitido quando mãos podres sem corpo retiram o vestido arrumado por Júlia com tanto esmero. Seu corpete, suas mangas, mas não sua saia, as mãos insistem e puxam o tecido. Suas costas nuas chegam a tocar o corpo não visto. As costas lisas em contato com um corpo decomposto, gosmento e nu.

Júlia se levanta e num rompante o vestido é tirado e ela esta nua na frente de Suzana. Mas isso não importa porque a música voltou a tocar e o sangue a correr em suas veias. O mundo voltou ao normal, mas não elas.

Não Júlia e Suzana.

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723 palavras.

Detalhes da ilustração que fiz para a capa:

Detalhes da ilustração que fiz para a capa:

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