Desci do avião com o coração na mão. A viagem tinha sido bem cansativa, muitas horas só sentada, mal consegui dormir. As pessoas desconhecidas sentadas do meu lado me deixavam um pouco nervosa, passei a viagem toda assistindo filmes em inglês sem legendas para acostumar com o idioma e só pensava em como tudo seria naquele mês. Eu passei muito tempo sem estudar inglês, desde que terminei meu curso, e agora estava insegura sobre como me sairia. Não tive nenhum problema quando precisei trocar de avião em Toronto, mas falei algumas frases soltas apenas, achava que isso não contava muito.
Apesar do nervosismo todo que sentia, estava mais feliz do que nunca. Fazer um intercâmbio sempre foi um dos meus maiores sonhos, mas, como minhas expectativas sempre são destruídas, achei que isso também não daria certo. Felizmente, depois de meses e meses de espera, ali estava eu, no aeroporto, esperando minha mala chegar para que eu pudesse ir logo para a casa da família desconhecida que me hospedaria pelo tempo que ficasse ali.
Não sabia muito bem o que fazer, mas estava em frente à esteira de número 7, esperando que a enorme mala cinza de adesivo laranja aparecesse. Minha avó quis colar o adesivo da agência na parte traseira da bagagem com medo de que o identificador fosse rasgado pelo caminho, o que também me ajudava muito a identificar qual era a mala que eu deveria pegar, já que quase todas eram praticamente da mesma cor e modelo. Só a fitinha amarela presa na alça também não era de grande ajuda, porque era muito pequena e de longe eu não conseguia enxergar muito bem. Tudo bem que eu estava usando meus óculos, mas estive pensando que o grau já estava fraco pra mim.
Quando chegou – finalmente! – não foi assim tão ruim tirá-la da esteira, ainda bem. No outro aeroporto tinha sido um caos, quase caí tentando pegar aquela mala pesada em movimento, para então despachar de novo. Quase morri de vergonha com todas aquelas pessoas que pareciam olhar diretamente para mim.
Outro problema: achar a pessoa que me levaria até a "minha casa". Não via plaquinha alguma com o meu nome, como disseram que haveria. Atravessei uma porta onde estava sinalizado ser a saída e comecei a andar por perto da mureta de pedra que delimitava a área interna do aeroporto, até que uma mulher vestida de um uniforme verde aparentemente notou o quanto eu parecia perdida e se aproximou.
— Bom dia, querida. Você é estudante? — ela disse, muito simpática, segurando uma folha de papel.
— Bom dia! Sim, sou. — eu respondi rápido, aliviada por encontrar alguém que talvez pudesse me ajudar.
— Você sabe quem vem te buscar? Qual é o seu nome?
— É Clara. Me disseram que alguém estaria segurando uma plaquinha com o meu nome aqui, mas não vejo ninguém. — eu estava um pouco impressionada com o quanto eu estava conseguindo me virar conversando com a mulher. Afinal, acho que meu inglês não estava tão ruim assim!
— Clara... Clara... Não, não está na minha lista. — ela repetiu meu nome carregado de sotaque, analisando os vários nomes escritos na folha que ela carregava consigo. Então, virou para uma senhorinha de blusa vermelha muito chamativa, encostada em uma pilastra perto de onde estávamos, e continuou: — Nancy, você tem alguma lista aí? Clara é uma das suas?
— Eu não tenho lista nenhuma, não me falaram quem são os jovens que devo levar. — a senhorinha respondeu, rindo sem graça. Eu não entendia direito o que estava acontecendo, mas esperava que uma delas me ajudasse a resolver.
Elas, então, olharam o e-mail que me foi enviado com as informações do transporte e chegaram à conclusão de que deveria seguir a senhorinha de vermelho. Estávamos, eu e mais três brasileiros, dois garotos e uma garota, andando em direção ao carro que nos levaria às nossas respectivas acomodações. Um senhor veio até nós, apresentou-se como Dean, e disse que ele seria o nosso motorista.
Aparentemente, eu seria a primeira a ser entregue. Minhas mãos suavam e eu estava com um frio incessante na barriga. Será que iam ser legais comigo? Faria amizade com os irmãos? A comida era ruim demais? Como faria pra descobrir meu caminho para a escola? O carro parou e meu coração quase parou junto. Todos desejaram-me boa sorte e eu desci para buscar minha bagagem no porta-malas. Esperando que Dean pegasse para mim, observei a fachada da casa. Tinha gramado na calçada, portão preto e um murinho de pedra. As paredes externas da casa também eram de pedra, a escada que levava até a enorme porta de entrada era acimentada e as janelas eram brancas. Era exatamente como na foto que vi na internet, mas pessoalmente era maior do que pensava. Contei quatro grandes janelas na parte da frente da casa, duas de cada lado, e os detalhes em volta delas eram de um tom rosado que combinava perfeitamente com o marrom mais claro das pedras. O telhado em cima das janelas superiores e da porta preta tinha um formato triangular e, bem no meio, lá em cima, havia uma sacada pequena.
O senhor ofereceu-se para levar minha mala até a porta, já que eu não aguentaria carregá-la pelas escadas, e tocou a campainha por mim. Suspirei apreensiva, esperando que atendessem, até que a porta abriu e uma mulher sorridente apareceu. Ela tinha os olhos puxados e o cabelo preso em um coque. Usava uma maquiagem que me parecia ser permanente e pantufas nos pés. Mesmo que eu já soubesse o seu nome, apresentou-se como Jade. Mandou que eu entrasse na casa e, assim como eu, agradeceu Dean, que foi embora logo em seguida. Entrei e me vi em uma saleta com três portas do lado esquerdo e uma escada do lado direito. Ela me indicou que a porta do meio era o meu quarto e me guiou até lá.
Abri a porta do quarto observando cada detalhe de seu interior. Era pequeno, tinha uma cama de solteiro, um criado do lado esquerdo e um suporte com inúmeros cabides e uma cesta para roupas sujas do lado direito. Logo em frente à porta havia um armário de madeira com uma parte aberta que servia de mesa e gavetas tanto em cima quanto embaixo dela, acompanhado de uma cadeira rosa. A colcha era toda colorida e listrada, e logo em cima da cama havia um espelho em formato de sol. As paredes eram brancas, a janela era enorme e tinha uma cortina bege. Respirei fundo, acostumando-me à ideia de que viveria ali por algumas semanas, não mais no meu quarto enorme.
Fui até a cozinha quando Jade me chamou, eu estava faminta! Enquanto eu comia, conversamos um pouco sobre minha família, a minha escola, que dia minhas aulas começariam. O almoço foi um arroz grudado e sem sal, e uma carne com molho bem forte. Era muito diferente, mas não chegava a ser ruim. Ela me explicou que cada um deveria lavar sua própria louça e que meu jantar ficaria separado e etiquetado com o meu nome para quando eu chegasse, todos os dias. Mostrou onde ficava o banheiro, como funcionava o chuveiro e deixou claro que o exaustor deveria ser ligado todas as vezes que o chuveiro quente fosse usado, já que não havia janela no banheiro para que o vapor saísse. Voltei ao meu quarto, arrumei minhas coisas e fui tomar um banho. Enquanto a água morna caia pelo meu corpo, meus músculos exaustos relaxavam aos poucos. Minha cabeça estava a milhão, pensando em como seria dali para frente, como eu me sairia ao fazer amizades, se eu sentiria falta de casa, como seria minha relação com as pessoas que morariam comigo.
Saí do banheiro após alguns minutos, entrei no quarto e comecei a organizar algumas coisas. Coloquei tudo que usaria com mais frequência no criado, as necessaires embaixo da janela e minha mala no chão do lado direito da cama para que eu pudesse abri-la sem que me atrapalhasse de andar pelo quarto. Pluguei o adaptador na tomada do lado da cama, liguei para a minha família para avisar que tinha chegado bem e me deitei. Já era quase uma da tarde, entrei nas redes sociais para avisar meus amigos que tinha dado tudo certo e meus olhos foram fechando aos poucos enquanto olhava o Instagram.
O cansaço me venceu, em poucos minutos adormeci.