O Bê invisível da sigla

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     Coloquei o copo sobre a pequena mesa. Momentos de fuga, de obter respostas, indagações, simulações de seu querido inimigo cérebro. Vai, quem nunca fez isso em um bar? Observei o copo e lambi meus lábios. Os diálogos já não eram tão absorvidos por meus ouvidos, pareciam falar chinês. Sei falar inglês, sei bastante de minha língua machista e estranha, cujo nome não condiz com título de meu país; como o espanhol que é falado na Argentina, o francês na Costa do Marfim. E pensar que deveríamos estar falando em um moderno tupi. Meus olhos estavam observando os detalhes em Alana: a pele cor de mel puro, os cachos brilhantes e perfeitamente redondos, os olhos puxados como de uma índia. Como Clarice um dia disse em O ovo e a galinha: olho para as silhuetas indígenas da face de Alana, e parece que vejo uma índia de milênios atrás. Magia pura. Chegava me tontear mais que a cerveja que já não borbulhava. Do líquido já sem graça, meus olhos foram parar na turma: Aílton, da minha sala, fazíamos Letras com muito fervor, embora que hora ou outra, tal fervor fosse efêmero; Rubens, da sala de Victor, faziam Direito com muita insistência, embora tal insistência fosse alimentada por seus pais todo jantar; Victor segurava minha mão enquanto ria das tiradinhas de Rubens; Miranda era amiga de Alana, esta convidou-a para beber conosco. Então novamente meu olhar se voltou para ela.  O sorriso iluminado, os dentes exibiam simetria no subir e descer de suas falas. Os olhos grandes e molhados, tal emoção que essa mulher depositava em suas frases. Os lábios eram um monumento de perfeitas medidas; diria ser um convite formidável. Um imã. Eu tinha vontade de apenas beijá-la. Talvez se ascendesse a fogueira, me aproximaria do fogo, um fogo que nunca senti a potência. Um paraíso inexplorado. Meu sexo responde bem à tal fluxo de consciência. Droga. Peguei o copo novamente. Dei um gole no amargo morno da cevada industrializada. 

     - Quanto tempo namoram? - Questionou Miranda, olhando para mim de forma estonteante e curiosa, piscava como se houvesse poeira em seus cílios.

     - Três anos - respondi.

     - E três meses - disse Victor, apertando minha mão.

     - Meu, que fofo eles! - Exclamou Alana. Os beiços novamente exalando estalos magnéticos sobre mim.

     Victor veio com um bico exagerado em minha direção. Fui recíproco ao selinho e voltei ao meu silêncio. Rubens e ele retornaram para suas altas prosas. 

     - ... Não, não acredito - Victor dizia, pausou para dar um gole em sua cerveja. - Para mim, ou fica com homem ou com mulher. Esse negócio de cortar com dois gumes, não sei não. Prefiro que Hugo me traia com um homem do que com uma mulher.

     Coloquei uma mão sobre seu ombro. Quando Victor estava alto seu rosto iluminava-se de maneira tenra, as pálpebras quase se unindo, os olhinhos se tornavam duas sementes. Era tão lindo, lindo como Alana. Ambos me afetavam com o mesmo nível de magnitude. 

     - Vou ao banheiro.

     Outro selinho antes de me dirigir para dentro do bar, passar pelo mar de ombros observando um bando de estudantes. Via muitos L's; os G's eram mais que bebidas; marginalizados nas esquinas se encontravam T's; e os B's, como eu, continuavam invisíveis. 

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⏰ Last updated: Sep 23, 2019 ⏰

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CRÔNICA DE 23/09 - O Bê invisível da siglaWhere stories live. Discover now