Capítulo único

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— Jay?

Com os olhos ainda marejados percebo as longas mangas de seu pijama branco com bolinhas pretas sendo esfregadas veemente sobre suas pálpebras. Ele estava tentando despertar.

— Carlos?! Não consegue dormir?

Ele balança a cabeça de um lado para o outro, negando e quase implorando para que eu lhe convidasse para deitar na minha própria cama.

— O que aconteceu?! Cadê Dude?

Ergui a cintura, inclinando a cabeça para o lado, na esperança de ver o pequeno cachorro, mas tudo que consigo perceber são as cobertas emboladas, indicando que o filho da Cruella passara a noite toda em claro, remexendo-se.

— Ah, Jay. — ele suspirava, deixando as mechas brancas de seus cabelos caírem sobre os olhos — Ele tinha um encontro hoje. Eu acabei tendo que ir dormir sozinho, mas você sabe como eu detesto dormir sem abraçar alguém...

— Você não pode dormir abraçado com o travesseiro?! — minha sobrancelha se ergueu e minha expressão confusa era perceptível na pouca luminosidade da noite refletida pela janela.

— Eh... — apontou para cima com o dedo indicador, tentando se explicar — Tecnicamente, travesseiros não são seres vivos...

— Qual o problema? Você dormia sozinho na Ilha.

— Se quiser dizer que eu me tornei "molenga" depois que vim morar em Auradon, pode dizer.

Sua expressão séria me desafiava a insultá-lo, mas a única reação que tive foi rir envergonhado.

— Então você quer dormir comigo?

Ficamos em silêncio nos encarando. Não planejei aquela frase e ela saltou da minha boca de forma embaraçosa. Ele deixou uma risada curta e tímida escapar e depois cruzou os braços tentando ficar sério novamente.

— Sim. Eu quero. — desviou o olhar e antes que eu pudesse dizer algo, continuou — É por uma noite só, você nem vai perceber.

— Cara...

Embrenhando a cabeça no travesseiro, cubro totalmente minha visão. Da mesma forma, quase não sinto a cama afundando suavemente com o pouco peso de Carlos subindo nela.

Quando finalmente tenho coragem de erguer o rosto, ele está encolhido do meu lado, com os braços rente ao peito e as pernas dobradas. Claramente estava tentando ocupar o menor espaço possível da cama, deixando a maior parte dela para mim.

— Ok. Mas não se mexa e... Não me toque em hipótese alguma.

— Combinado. — ele sorri tímido e fica me encarando.

Viro de costas para o garoto repleto de sardas, numa tentativa desesperada de fingir que ele não estava lá, ao meu lado, dividindo a mesma cama.

Poucos segundos bastaram para sentir meus olhos pesados e o aumento da intensidade de piscadas. Enfim estava pegando no sono novamente.

Repentinamente, senti um toque gelado no meu ombro. O que fez com que me virasse rapidamente para o menor que deitara ao meu lado.

— Você me tocou!

— O que?! Não! Claro que não!

— Me tocou! Eu senti!

— Acho que você 'tá louco.

Notei as sardas de suas bochechas, dando espaço para um vermelhidão característico de timidez.

— Carlos! Não minta pra mim...

— Jay, eu disse que só consigo dormir abraçado com alguém, você não me deixou te abraçar!

Ele dizia aquilo com a maior naturalidade do mundo. Eu me ajeitava de bruços na cama, abaixando a cabeça e deixando meu longo cabelo cobrir minha reação de impaciência.

— 'Tá legal.

Joguei algumas mechas para trás da orelha e encarei Carlos com um semblante fechado.

— Mas não invente "gracinhas".

— "Gracinhas"?! Que tipo de "gracinhas"?! Jay, sinceramente, o que você acha que eu iria fazer?!

Sua voz ecoou estridente, como se eu tivesse dito algum absurdo. Em resposta, apenas ri soltando um ruído de incômodo e me virei novamente na cama, mas dessa vez, deitando de barriga para cima.

Minhas mãos com os dedos entrelaçados uniam-se na altura do tórax. Eu encarava o teto fixamente, sentindo as mãos frágeis dele se aproximando cada vez mais.

As pontas geladas de seus dedos percorriam pelo meu peito de uma forma indesejavelmente lenta. O que me fazia pensar se era proposital, mas eu ainda tinha certeza que éramos apenas amigos.

Seu suspiro alto, fez com que eu lhe encarasse de canto, encontrando uma expressão aconchegante. Seus olhos fechados e lábios levemente esticados num sorriso denunciavam sua felicidade.

— Boa noite, Jay. — falou afetuosamente.

— Carlos?

— Hm?!

Algumas questões invadiam meus pensamentos. Mesmo sabendo que era melhor fazê-los pela manhã, talvez eu pudesse tirar proveito daquela situação. Estávamos mais próximos do que nunca, naquele momento.

— Acha que... Ah... Esquece.

— Por favor, diga.

Suavemente senti o queixo do menor sendo direcionado ao meu braço. Eu sabia que ele estava prestando atenção em mim, mas evitei encará-lo.

— Acha que algum dia, eu irei encontrar alguém?

— Não entendi nada.

Rangi os dentes, esbravejando baixo. Senti ele afastar o rosto e sentar na cama, do lado contrário, podendo me encarar.

— Alguém em que sentido? Você tem a Mal, Evie e eu. Sempre.

— Você entendeu. Eu queria encontrar alguém da mesma forma que você encontrou Jane.

— Oh! — lançou um sorriso debochado e orgulhoso — Espera! Você. — apontou para mim — Jay. O cara mais disputado da escola, está pedindo conselhos amorosos para mim? — apontou para si mesmo.

— Eu sabia que eu não deveria ter tocado nesse assunto.

De forma rápida, guio minha cintura para beirada da cama, almejando me levantar.

— Espera aí garotão!

Não deixou que eu me afastasse da cama. Praticamente voou em cima de mim, abraçando meu corpo por trás. Senti sua respiração quente em meu ombro, ao mesmo tempo em que tentava unir seus dedinhos no meu peito, mas falhava pelo fato das proporções do meu busto serem demasiadas grandes.

Ele então, apoiou o rosto no meu ombro, me fazendo arrepiar no mesmo instante. Decidi não me mover, apenas ouvi-lo.

— Jay, você é o FV mais maravilhoso que eu já conheci. Sem brincadeira. Eu tenho certeza que você irá encontrar alguma pessoa linda e maravilhosa ou lindo e maravilhoso — ele fingiu que engasgou com a própria saliva — Que vai te amar do jeitinho que você é.

— Hummm... — inclinei o rosto e o encarei, desconfiado.

— Talvez você até já tenha encontrado, mas ainda não percebeu.

Direcionou seu dedo indicador rapidamente na ponta do meu nariz. Depois, voltou a me entrelaçar em seu abraço doce e confortável.

Night fallsOnde histórias criam vida. Descubra agora