LUCAS, ENFIM DESPERTOU. Passaram-se alguns minutos até que isso acontecesse. Ao abrir os olhos, assustou-se com a escuridão do local. Não sabia onde estava, mas era um lugar frio, fedorento. Sentiu água tocar seus pés e, ao olhar para cima, visualizou a saída, no alto, em forma de círculo. Só então sua ficha caiu: estava no velho poço da fazenda.
Sua dor de cabeça agora estava mais forte, provavelmente por conta do golpe que recebeu. Além dessa dor, outra lhe incomodava em excesso, mas esta vinha de dentro da sua boca. Lucas sentia seu rosto molhado, mas não sabia de onde vinha aquele líquido. O odor que exalava, no entanto, não lhe era estranho. Não era água. Ao tocar seu rosto, ele, enfim, viu do que se tratava. Seu rosto estava lavado com sangue. Gritou por socorro, mas a palavra proferida em mente, não foi a que saiu de sua boca. Foi aí que Lucas, ao colocar um dos dedos em sua boca, percebeu que estava sem língua. Rebeca tinha feito com ele a pior atrocidade até então. Jogando-se no chão, Lucas, mais uma vez, gritava por socorro, mas o som que saia de sua boca era indecifrável. Não conseguia crer no quão longe a irmã foi capaz de ir. Em meio ao seu desespero, Lucas puxou, na mente, imagens do filho Afonso. Passou a imaginar todas as maldades que Rebeca e o tio poderiam fazer coma criança. O choro não pode ser contido, por mais que Lucas se esforçasse para isso. Naquele momento, aprisionado, sem língua e sem forças para reagir, tudo o que lhe restava era chorar. Não tinha nenhuma perspectiva de sobreviver. Ao movimentar o braço levemente, sentiu sua mão tocar algo. Pareciam ossos. Levantou a cabeça e visualizou, em sua frente, algo que o deixou ainda mais apavorado: o esqueleto de uma mão, ali, junto dele.
Guto e Nathalia estavam na estrada, indo em direção ao orfanato. Ambos estiveram calados desde que saíram de casa. Guto estava inquieto e Nathalia, percebendo a aflição do namorado, indagou-lhe.
– Ainda preocupado com o ocorrido de ontem? – e colocando uma das suas mãos no ombro do namorado, acrescentou. – Esquece o que aconteceu, está bem? Eu não estou chateada com você, ao menos não mais.
Guto, olhando para a namorada, apenas assentiu com a cabeça. Ele, no entanto, não estava preocupado com o ocorrido do dia anterior, pelo contrário. Em sua mente, ainda matutava a ideia de ter um tio. Como é que nunca tinha ouvido falar dele? Por que os pais nunca comentaram a respeito? Será que eles, ao menos, sabiam?
– Será que... – Guto assustou-se com a lembrança que agora se formava em sua mente, em um verão que passou na fazenda, anos atrás. – Não, não pode ser... – completou, em pensamento, enquanto revia, mentalmente, a cena formada.
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– Vovó, eu posso lhe ajudar com o bolo? Lucas ficou no quarto, não quis vir. Ele disse que só vai ajudar a comer. – dizia Guto à dona Edwirges. Desde criança, ele sempre gostou de sentir-se prestativo, buscava sempre ajudar nos afazeres domésticos, ainda que seus pais fossem contra. Nas férias, então, momento o qual o garoto deveria focar apenas no lazer, Guto se oferecia para as tarefas, ele gostava de estar na presença da avó, a amava demais.
– Lucas sempre foi bom de garfo e ruim de trabalho, hein. – comentou aquela senhora, esbanjando um belo sorriso.
Dona Edwirges se considerava a avó mais sortuda do mundo. Amava os netos, a vida na fazenda e toda a sensação que o existir pacato lhe causava.
– Você pode me ajudar indo buscar alguns ovos no galinheiro, meu filho. Vá, enquanto eu preparo o restante, está bem?
– Pode deixar, vovó, conte comigo. – disse Guto, prontamente. Em seguida, saiu correndo em direção ao quintal. O galinheiro ficava a alguns poucos metros de distância da casa, a missão seria rápida e fácil. Distraído com os animais, Guto não notou o homem vindo em sua direção. Quando percebeu, já estava caído no chão, com o esbarro que teve. Olhou para cima, mas, por conta do sol, que castigava naquela manhã, não conseguiu visualizar o rosto daquele homem, só ouviu a voz, parecia bravo.
– Você não olha por onde anda, moleque? Presta atenção. – disse o homem, com a voz um pouco alterada.
– Desculpa, moço, é que eu estava distraído. – afirmou Guto, ainda no chão. Antes que pudesse continuar falando, ouviu a avó chamar seu nome, fazendo com que ele olhasse na direção da casa.
– Minha mãe está aí? – indagou o homem.
– Mãe? – questionou Guto, assustado. Mais uma vez ouvira dona Edwirges chamar por seu nome, dessa vez um pouco mais alto. Virou outra vez o olhar para a casa, mas vendo que a avó não estava vindo, despreocupou-se. Ao virar-se novamente, o homem já não estava lá. Aquilo assustou o garoto, sobretudo porque não haviam funcionários na fazenda, dona Edwirges sempre cuidou de tudo sozinha depois que o marido morreu. Guto voltou para a casa e, ao chegar na cozinha, foi direto ao encontro da avó.
– Vovó, a senhora tem mais algum filho, além do meu pai? – indagou Guto, ainda espantado com a situação vivenciada há pouco.
Dona Edwirges, ao ser questionada, assustou-se, deixando cair toda a massa do bolo. Ficou pálida, tremula e inquieta com a pergunta do neto.
– De onde você tirou isso, Guto? Que pergunta é essa?
Guto, vendo o estado em que a avó ficara, considerou que seria melhor não comentar sobre o ocorrido. Permaneceu calado por algum tempo, pensando numa desculpa.
– Não é nada não, vovó, apenas curiosidade... – concluiu, tentando disfarçar sua inquietação.
Dona Edwirges não compreendeu a pergunta do neto, mas preferiu encerrar a conversa, seria melhor assim. Contudo, preferiu deixar as coisas clara, a fim de que já não houvessem dúvidas.
– Respondendo a tua pergunta... não, eu não tive outros filhos. Teu pai é único... você trouxe os ovos?
– Os ovos... – disse Guto, colocando as mãos na cabeça. – Eu sabia que tinha esquecido de algo e...
Antes que continuasse sua fala, Guto ouviu alguém chamando seu nome...
– "Guto, a estrada..."
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Perdido em suas lembranças, Guto não estava prestando atenção enquanto dirigia. Quando alertado pela Nathalia, pareceu recuperar sua razão e, olhando para a frente,percebeu que estava quase batendo em um caminhão. Rapidamente, dobrou o volante, mas perdeu o controle, levando o carro em direção a uma cerca.
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Descendência Malter (Em processo de revisão )
HorrorQuinze anos se passaram desde o ocorrido na fazenda Malter. Guto, ainda que com cicatrizes, tentou seguir sua vida. Estudou, trabalhou, formou-se em administração e hoje, ao lado da namorada Nathalia, viveria uma vida razoavelmente boa em Porto Aleg...