Valéria

1.2K 45 13
                                    

Era madrugada, haviam chegado de uma festa a pouco tempo, procurava impacientemente o celular quando lembrou que ouvia música enquanto tomava banho, e agora era Camila quem estava no banheiro. Já contava duas semanas que estavam na Europa, não conseguiria viver sem a companhia da garota, nunca havia sentido nada assim por ninguém antes, e esse sentimento causa-lhe um redemoinho de emoções. Ficou subentendido que sentia algo, além de amizade, por Camila quando a chamou para fugir com ela, mas nunca tocaram abertamente no assunto. Dormiam na mesma cama, havia uma retribuição de carinhos singelos (tocar de mãos, arrumar mechas de cabelo, braços ao redor do corpo e pescoço), mas nada além disso, ela não forçaria nada, jamais.
Hoje mesmo, antes de saírem, a presenteou com um colar, no instante em que bateu os olhos na peça, percebeu que era a cara de Camila, e que certamente ela iria gostar. Passou tempo demais perdida em seus próprios pensamentos e queria afastá-los, ou ao menos distrair-se, mas o celular ainda estava no banheiro, que por sua vez estava ocupado. Foi só então que lhe ocorreu que já havia passado muito tempo desde que a morena entrara no cômodo e que não ouvia mais o barulho do chuveiro, estranhou, resolveu bater à porta, não entraria sem permissão, ergueu a mão, hesitou um instante mas bateu.

-Camila? -Chamou preocupada após bater inúmeras vezes. -CAMILA? - Chamou mais alto e não ouviu resposta, girou a maçaneta dourada e a porta abriu. -Cá? -Colocou a cabeça para dentro do banheiro, viu o próprio celular onde havia deixado, chamou mais baixo, mas não houve resposta, olhou para a banheira mas estava vazia, foi quando seus olhos pousaram no box. -Camila...

Sua voz saiu um engasgo, dentro do box, embaçado pelo vapor de água, vislumbrou um corpo sentado em um dos cantos, correu, abriu a porta de vidro e deparou-se com Camila. Estava sentada embaixo do chuveiro desligado, o corpo enxarcado, os joelhos altos recostados perto do busto, ela abraçava as próprias pernas enquanto olhava pra frente, sem parecer ver algo.

-Camila... -Agachou-se. -Camila, meu amor, o que houve? -Tocou-lhe o ombro e só assim a garota a olhou, com os olhos inchados e vermelhos.

-Val...? -Só então a morena pareceu notar sua presença ali, mas não disse mais nada.

-Vem, vamos sair daqui. -Pediu, erguendo com pouca força o braço da garota. -Eu tô aqui, eu te ajudo.

Cedeu o braço pra que Camila se apoiasse e quando saíram do box colocou um roupão sobre os ombros da garota que segurou as bordas, apenas o suficiente pra cobrir-se, sem realmente vesti-lo. Valéria nunca havia percebido como era grande aquele quarto, a distância entre o banheiro e a cama parecia ser medida em quilômetros, e achava que nunca tinha visto uma cena que lhe abalasse tanto, como ver sua parceira de viagem, que sempre fora tão viva, sem o brilho no olhar que tanto gostava.

Antes de perguntar qualquer coisa  Valéria deixou que a morena se acomodasse na cama da maneira que quisesse, não foi pouca a sua surpresa quando após sentar, encolhida em um moinho de tecido toalhado, a garota bateu na cama no lugar ao seu lado. Sem hesitar acomodou-se, tão próxima à jovem enxarcada que gotículas de água pingavam dos fios escuros em seu braço, como se Camila lhe banhasse com sua aura particular.

-Eu não sei explicar, Val... -Começou com a voz chorosa. -Eu tô feliz e triste. -Fungou olhando o nada e apoiando a cabeça no ombro da ruiva. -Feliz por estar com você fazendo o que eu sempre sonhei, e triste por ter largado a minha família sem me despedir de verdade.

-Meu amor... -O apelido saiu automático. -Eu nem posso imaginar o quanto você tá sentindo falta deles. -Acariciou os cabelos da morena. -E me desculpe por eu ter feito você sair assim, tão repentinamente, sem poder passar mais tempo com eles. -Beijou-lhe a lateral da cabeça. -Eu não posso diminuir a sua saudade, mas eu posso tentar te distrair. -A garota a olhou com os olhos um pouco mais brilhantes. -Daqui a algumas horas, vai ter um trem saindo para um lugar que você sempre quis conhecer, e por acaso, nós já temos as passagens. Que tal?

-Você é incrível, sabia? -Camila perguntou com os olhos marejados, mas dessa vez as lágrimas não pareciam tristes, apenas, emocionadas. -A pessoa mais incrível que a vida me proporcionou conhecer, obrigada. -Ao terminar a frase a garota beijou-lhe.

Sentiu a pele arrepiar-se com o toque dos lábios da outra nos seus, como se um vento frio lhe corresse pelo corpo inteiro. Ficou tão surpresa que deixou-se beijar, a boca colada a sua abriu-se minimamente em um pedido silencioso prontamente atendido. O dançar das línguas era uma sensação indescritível, um mix de: calor, frio, amor e desejo, urgência e tranquilidade. Separaram-se apenas quando o ar lhes faltou, sentia seu corpo em êxtase, um calafrio na espinha eriçou os cabelos de sua nuca, enquanto um calor na parte baixa de seu ventre amoleceu suas pernas com tanta intensidade que se estivesse em pé, teria caído.

Camila nada fala apenas a encara com seus olhos oblíquos e brilhantes, as mãos dela seguravam teimosas mechas carmesins que insistiam em atrapalhar a proximidade das bocas. Tentou manter o olhar no rosto da garota, mas não conseguiu. Sem segurar o roupão este afrouxara em torno do corpo esguio, revelando um busto singelo e encantador. Sentiu a garota beijar-lhe suavemente o pescoço, pequenos beijos estalados, mas que fizeram seus olhos fechar. Ter Camila tão perto de si, fez com que o cheiro da pele dela lhe preenche-se o olfato, era a primeira vez o que sentia verdadeiramente, pois era diferente do perfume que ela usava, esse parecia ser exalado direto de sua pele, cheirava a verão, como quando um vento da estação do sol trás um cheiro de flor de laranjeira, grama molhada e orvalho, tudo misturado, e lhe revigora.

Beijou a morena apaixonadamente, cravando os dedos onde pescoço e cabelo se encontram. Mesmo com os olhos fechados sentiu a garota mexer-se como que para se livrar de algo, quando cessou o beijo e a olhou, o roupão não mais envolvia os ombros da garota, esta abaixava-lhe a alças da roupa de dormir, fazendo com a que a vestimenta negra caísse como um poça em seu colo.

Quando deitaram-se uma ao lado da outra estavam em completa nudez, "mãos e braços, beijos e abraços, pele, barriga e seus laços" (Leoni, Garotos). Exploraram o corpo uma da outra com carícias, cheiros, toques e beijos. E num entrelaçar de cabelo tão lindo quanto confuso, adormeceram, com o negro e carmesim misturando-se em um oceano branco de seda.

Vamila - DespertarOnde histórias criam vida. Descubra agora