capítulo único

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Sento-me à mesa, arrumo meu óculos e pego uma caneta preta; o caderno está aberto à minha frente. Suas páginas já não são mais tão macias e brancas quanto antes. E, no entanto, nada com que eu me importe mais, claro.
Solto um longo suspiro. Estou aqui para isso, digo em um murmúrio falho, não para você. Minha mão tremia, conquanto, insisto em forçar a ponta da caneta sobre as linhas vazias. Dois minutos haviam se passado e apenas uma linha e meia preenchida.
Espero que leia. Espero mesmo que o faça, tanto quanto esperei para que voltasse.
Isto por hoje. Digo em um fio de voz, arrastando bruscamente para trás a cadeira onde me sentava, levantando-me e saindo do quarto ao apagar as luzes. A cada passo que dou pela escadaria, tardios e oscilantes, a madeira range baixo, sendo o único barulhos a quilômetros daqui. Além dos grilos no jardim, estes que me faziam companhia todas as noites como esta.
Na cozinha, apenas esquento o almoço deste dia no microondas – arroz, macarrão e um pedaço de carne. Não aparentava uma cara tão boa quanto quando mais cedo, mas o gosto teria de estar bom. Deixo tudo para servir-me à mesa de jantar, passando por seu assento a caminho do meu. Talvez fosse uma tola insistência, porém ainda deixava um lugar ajeitado apenas para você, com seus talheres e pratos, da mesma maneira que seria se estivesse por aqui neste momento.
Uma tênue batida na porta tira-me a atenção da mesa e, sem hesitar, sigo o som, abrindo-a. O vento estava de congelar, ríspido e cortante, ainda sim não capaz de estragar o momento em que pouso o olhar em você.
Estive à sua espera, disse com um semblante choroso.
E eu sinto sua dor. Entenda, as coisas andam muito difíceis desde minha mudança. Seu tom era consolador e calmante, tocando-me no ombro levemente.
Nada lhe disse, não era capaz pelo excesso de adrenalina que me dera. Apenas lhe deixei entrar à minha frente enquanto fechava a porta. Como cheira bem. Espero que tenha guardado um lugar para mim, disse você ao que viro-me em sua direção. Jogo-me de joelhos no chão, aos prantos. Nem mesmo minhas mãos eram capazes de controlar as lágrimas, estas que rolavam em desparo sobre minhas bochechas.
Sua voz era tão real, seu toque tão suave. Eu desejo profundamente que, onde quer que você esteja, possa me escutar. Escutar meus choros, soluços e batidas do coração.

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