Capítulo XIII

163 24 109
                                    

Lucas, mais uma vez, estava na velha garagem da fazenda, lugar que, há uns anos, lhe trouxe tantas dores e arrependimentos. Sentia uma dor de cabeça horrível, sua febre tinha voltado e estava muito mais alta. Seu corpo tremia, sua visão estava embaçada, a pancada que levou na cabeça agora mostrava seus resultados. Estava suando frio, sentia cada vez mais que sua morte estava próxima. Agora, recuperando sua visão, Lucas conseguiu fitar algo que o deixou desesperado. Ali, em sua frente, pendurados pelo pescoço, estavam três esqueletos.

Mediante o desespero, Lucas não tinha compreendido de quem se tratava. Contudo, ao avistar uma pulseira no braço de um dos esqueletos, pôde compreender de quem se tratava e, pela primeira vez, lembrou-se de tudo o que aconteceu em sua vida. Lembrou-se das viagens à fazenda. Das brincadeiras com o velho cavalo da avó. Lembrou-se, também, de dona Edwirges e do quanto a amava. Começou a chorar, ao lembrar-se do ritual de purificação que a avó fazia com Rebeca e que ele interrompeu. Lucas também reviu em sua mente outros momentos com o irmão, e do quanto Guto sofreu nas mãos da irmã caçula. A dor maior veio quando Lucas se lembrou, enfim, dos pais. Visualizou nas lembranças as imagens da mãe e do pai, ambos mortos por Rebeca. Os esqueletos, ali, em sua frente, eram, sem dúvidas, os esqueletos dos pais e de Dona Edwirges. Aquilo, de longe, foi a pior coisa que Lucas já tinha presenciado na vida. Como Rebeca pôde ser tão ruim ao ponto de fazer aquilo? Como ela pôde submetê-lo àquela situação? Era demais até para ela. Os apertos no coração tornaram-se mais fortes, misturados com a raiva que Lucas estava sentindo.

_____________________________

Guto e Nathalia, mais uma vez, conseguiram uma carona e agora estavam chegando na oficina mecânica em que haviam deixado o carro. O percurso pareceu mais longo dessa vez, porém o que importava é que tinham chegado naquele local. Guto parecia aéreo, distante, desde que saiu do orfanato ele não falou uma só palavra. Não soltou a caixa com os pertences do tio nem por um segundo. Porém também não a abriu. Parecia temer o que encontraria ali dentro. Não mexeria nisso, ao menos não agora. O carro ainda estava sendo consertado e isso desagradou tanto Guto, quanto Nathalia. Blenner, o mecânico, ao perceber a presença dos dois clientes, saiu de baixo do carro para poder cumprimentá-los.

- Opa, sejam bem vindos outra vez, tudo certo? – Cumprimentou o mecânico, estendendo a mão cheia de graxa a Guto que apenas o ignorou.

- Qual o problema do carro? – Questionou Guto, indiferente.

- Eu estava verificando se há outro problema, mas não encontrei. O defeito está unicamente no carburador, mas isso já está quase resolvido, só preciso de mais uns minutos. Há quanto tempo esse carro não visitava um mecânico? – Perguntou Blenner e, olhando para Nathalia, continuou. – Essa máquina precisa estar em bom estado, para poder carregar outra máquina. – E lançou um olhar malicioso que constrangeu Nathalia.

- Eu só quero que o conserto termine, temos pressa. – Guto aproximou-se de Nathalia, dando-lhe um longo beijo. Queria deixar claro para o mecânico Nathalia era sua namorada.

- Sim, senhor, capitão! – Completou Blenner, prestando continência.

- Eu posso usar o seu banheiro? – Perguntou Nathalia ao mecânico.

- Claro, claro que pode meu bem. – Respondeu Blenner, prontamente, mais uma vez olhando Nathalia com malicia. – Posso lhe mostrar onde fica, se assim desejar.

- Não, não será necessário, eu mesma encontro. – Bradou a moça, dirigindo-se ao lado da oficina. Ao longe, nos fundos, avistou o banheiro. Não tinha um aspecto nada agravável por fora e por dentro devia ser pior, mas ela precisava usá-lo.

Guto permaneceu ali, encarando o homem que ajeitava o seu carro. Naquele instante, a raiva começou a consumi-lo e passou a sentir nojo do mecânico. Sentiu vontade de machuca-lo, de fazê-lo sofrer. Procurou ao redor uma arma e, próximo da bomba de gasolina, encontrava-se uma barra de ferro. Era a arma perfeita. Quando decidiu ir busca-lo o capô do carro baixou e o mecânico aproximou-se, limpando as mãos em um pequeno lenço.

- Pronto, capitão, o serviço está concluído e agora tudo está nos conformes. Sua belezura ficou novinha em folha, eu sou o máximo mesmo. – Disse Blenner, sorrindo.

Guto observava toda aquela cena com um olhar de indiferença. Ainda estava furioso com o mecânico, mas, na medida do possível, disfarçou.

- Tá, tá, se você está dizendo, é o máximo sim. Quando custa o serviço? – Perguntou Guto.

- Duzentos reais! – Blenner foi certeiro na resposta.

- Como é que é? – Guto assustou-se. – Você disse que o problema era somente com o carburador.

- Você saberia consertar, meu amigo? – Questionou o mecânico.

- Não, claro que não, mas... – Antes que Guto concluísse seu argumento, foi interrompido.

- Cartão ou dinheiro vivo? – Perguntou Blenner, ironicamente. Guto apenas o encarou, entendendo o jogo.

- Cartão... Vou pagar o cartão. – Respondeu Guto, pegando a carteira e retirando um cartão de crédito dela.

- Ótimo! A maquina está lá dentro, venha comigo. – Comentou Blenner, indo em direção à parte interna da oficina. Guto o seguiu e, no caminho, pegou a barra de ferro que há pouco avistou.

Nathalia saiu do banheiro quase vomitando. O local era fedido, sujo, rodeado de moscas. A única certeza que Nathalia tinha no momento era que precisava de um banho. Ao chegar na parte da frente da oficina, estranhou a ausência do namorado. Decidiu entrar na oficina, mas, ao abrir a porta, Guto estava preparando-se para sair. Estava limpando as mãos com um guardanapo.

- AI, que susto, Guto. – Comentou Nathalia, esbaforida.

Guto agora estava com uma feição estranha no olhar. Encarou a namorada por um instante, até se pronunciar.

- Vamos embora? Eu já acertei tudo com o mecânico.

- Ah, menos mal. – Disse Nathalia. – Vamos sim, eu preciso de um banho. Lá dentro, na oficina, estava o mecânico, no chão, sobre uma poça de sangue. Sua cabeça estava estourada e, ao seu lado, a barra de ferro, lavada de sangue.

Descendência Malter (Em processo de revisão )Onde histórias criam vida. Descubra agora