Louis pousou a xícara de chá quente sobre a mesa de centro. Á sua frente, a lareira crepitava, o cheiro de fumaça espalhando-se pela sala. A chuva fraca batia contra a janela, causando um som confortável no cômodo. Louis arrumou-se melhor em sua poltrona vinho, olhando para o lado e vendo a chaleira sobre o fogão na cozinha. 3, 2, 1. A chaleira apitou; o ruído agudo quebrando a harmonia que a chuva criava com a lareira. Levantou-se com a ajuda dos braços do móvel - suas costas doloridas e sua mão enfaixada, com cortes recém-abertos, não facilitavam sua locomoção. Deixando a xícara sobre o balcão de mármore frio e tirando a chaleira do fogo, fechou os olhos tenrando relaxar quando ouviu Taylor chamá-lo no andar de cima. Não respondeu, colocando o chá em seu copo com calma. O aroma de camomila encheu seus sentidos e ele se permitiu dar um sorriso mínimo.
Arrumou o roupão ao redor de seu corpo e ajustou os óculos no nariz. Tirou o cabelo do rosto, começando a subir as escadas da casa gigante. A escada também crepitava á medida que os pés de Louis pisavam nos degraus, a poeira grudando em sua palma enquanto sua mão deslizava pelo corrimão. Taylor o chamou novamente e ele bufou, murmurando um "já vou" baixo demais para que a garota pudesse ouvir. Ouviu sons atrás de si e viu vultos ao seu redor ao que se aproximava do quarto da criança - nada novo. Girou a maçaneta, adentrando o quarto rosa e encontrando-a encolhida na cama, com o cobertor esticado até seu nariz. Ele apoiou-se na porta.
- O que foi, filha?
Lembrava-se quando Hanna ainda estava viva. Louis nunca levara jeito com crianças; não era a toa que todos seus outros filhos, vindos de outros casamentos, já não estavam mais ali. Sua mãe nunca lhe dera a devida atenção, e ele tratava os de seu sangue da mesma maneira. Taylor lhe irritava - sua voz era muito fina, seus cabelos muito loiros e tudo o que lhe importava era vestidos e bonecas. Louis já teria feito a mesma coisa que havia feito com os outros se não fosse pelos pais de Hanna, que tinham um grande carinho por Taylor. Sabia que se algo acontecesse com ela, ele seria a primeira pessoa de quem eles iriam desconfiar.
- Eu tô com medo, papai. Os barulhos não param.
Louis sinalizou para que ela ficasse quieta. Com o silêncio predominando, ele foi capaz de escutar. Arranhões na porta, grunhidos de dor e passos pesados. Rosnou, afundando o rosto nas mãos, com raiva. Olhou novamente para a filha, que parecia nem ao menos respirar.
- Eu já vou dar um jeito nisso. Volte a dormir.
Fechou novamente a porta. Voltou a descer as escadas, pegando a xícara - agora fria - e tomando todo o chá em um único gole. Seus olhos voaram para a gaveta que continha os talheres e ele a abriu, pegando um facão e o examinando. Havia sido afiada há poucos dias; assim como todas as outras facas e tesouras. Enquanto Taylor estava na escola, era isso que ele fazia para distrair. Esse era o passatempo de Louis.
Bem, o outro.
Segurou o facão com mais força e pegou a lanterna de dentro do armário, descendo as escadas que levavam até o porão. Destrancou a porta. A falta de luz era grande ali e havia goteiras por todos os cantos. Ligou a lanterna, iluminando ao redor. Encostou o ombro na parede, olhando para a figura caída no chão e o sangue por toda parte, soltando um suspiro cansado.
- Eu já não te mandei ficar quieto, Harry?
