Quem eu sou.

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O som dos pingos que caem na pia da cozinha me tiram do estupor. O som me irrita. Me lembra o quão degradante estou.

A luz pisca. Penso que preciso trocar de lâmpada, em breve. Só em pensar no esforço, desanimo.

Os pratos sujos na pia, o cesto de roupas, cheio... em que momento deixei tudo isto acontecer? Em que momento me perdi?

Passo as mãos no rosto.
Meus cabelos grudados na cabeça denunciam a ultima vez que tomei um banho de verdade. Talvez no dia em que você se foi. O dia em que você se foi e levou minha vida junto.

A lembrança arde em meus olhos, olhos já inchados de tantas lágrimas derramadas. Não tenho mais forças para chorar. Para reunir lágrimas suficientes para que possam se derramar dos meus olhos e lavar o resto do rímel borrado.

Se tivesse coragem de me levantar e ir me olhar no espelho do banheiro, iria ver a figura de um palhaço. Um palhaço triste, um palhaço desgraçado.

Em que momento me perdi? Talvez no momento em que você disse que já não me amava mais. Que já não dava mais. Que nosso relacionamento tinha chegado ao fim.

Lhe xinguei. Joguei o vaso que ganhamos da sua tia, como presente de casamento, no chão. Querendo lhe atingir. Mas apenas ganhei o apelido de louca.

Os destroços do vaso, que tanto amava, estão ali, no chão, junto com meu coração. Me lembrando do quão patética sou.

Fechei minhas contas das redes sociais, não atendo as ligações dos meus amigos e pais. Silenciei o celular. Não quero ver ninguém. Não quero ter que explicar o que aconteceu. E de como tudo isto me atingiu. Sem vida, sem ânimo, sem coragem.

Queria poder dormir, mas não consigo, tenho medo de fechar meus olhos e ver seu rosto na minha frente. As lembranças dos nossos momentos felizes. De quando eu era feliz.

Enfim, uma lágrima guerreira, percorre meu rosto. Desejo que ela tivesse o poder de lavar essa dor de mim. Este vazio na alma.

Em que momento você deixou de me amar, sendo que lhe amo tanto ainda? Tento reviver os momentos e descobrir os sinais. Fizemos amor na véspera de você me deixar. Será que esses momentos só eram especiais para mim?

Outra lágrima acompanha o rastro da última. Ai se ela tivesse o poder de lavar a minha alma...

Ouço uma batida na porta e amaldiçoo quem quer que esteja ali decidido a me incomodar. Finjo que não ouço e faço uma prece para que a pessoa se toque que não tem ninguém e vá embora.

"Abre! Eu sei que você está ai. Levanta essa bunda de onde quer que você esteja se degradando e venha abrir esta porta, antes que eu chame o porteiro para me ajudar a derrubá-la!" Ouço a voz da minha melhor amiga e sei que ela não está brincando. Ela é bem capaz de fazer isto mesmo.

Fecho os olhos. "Vá embora! Eu estou bem. Estou dormindo!" Grito de volta. E coloco o braço em cima do rosto, como se isto fosse me esconder. Bobinha.

"Eu sei que você não está dormindo. Não estou brincando, abra!" Suspira. E eu fico calada aguardando. Pensando se ela desistiu. "Eu sei que você não está bem. Não atende minha ligação há dias. Deixa eu lhe ver. Deixa eu entrar. Trouxe algo para comermos. Hoje é sexta e estou decida a acampar aqui na sua porta até você me deixar entrar." Ouço sua voz cansada implorando.

Mais uma lágrima escorre. Não quero que ninguém me veja assim. Sempre fui tão vaidosa... Quero ficar aqui, deitada neste sofá velho, até conseguir me achar em mim mesma.

"Por favor. Não quero ver ninguém" falo e sei que ela percebe minha voz chorosa.

"Deixa eu te ajudar. Somos amigas. Não gosto de te ver assim." E percebo que ela também deve estar chorando do outro lado da porta.

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⏰ Última atualização: May 02, 2020 ⏰

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