Flores Submersas

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Era verão, o sol descendo pela pele, invadindo os decotes, virando suor debaixo da nuca escondida pela cabeleira vermelha que ardia naquele tempo. Eu tinha 16 anos e Andaluz estava com seu vestido de girassóis.
Ela amava o calor, saia por aí, lívida e imersa em um êxtase só seu, que eu me punha a entender. Isso é, quando não estávamos ambas com as saias longas erguidas, molhando as pernas nos riachos daquela cidadezinha desprezível, de casas rosáceas com minúsculas violetas na porta dizendo como é bom ser simples...ser dócil. Quando isso acontecia, ela virava o rosto brilhante para mim, fitando-me com seu olhar verde. Esse é o mesmo olhar que pintei nos anjos expostos em telas aqui em casa.
Como não abismar? Andaluz, nem menina nem mulher com nome de uma cidade que seus pais sequer conheciam, onde ela nunca sequer pisaria, mesmo com toda a sua carga trágica de passado mal resolvido, fosse no rosto angular e fino, eternamente desafiador, ou no olhar sempre pedindo, mendigando. Por vezes pensara que abriria a boca para que lhe pudesse alimentar.
A alameda em que vivia minha avó, sinuosa, repleta de cercas vivas e ciprestes, casinhas de varandas de ferro e portões que rangiam. Nós duas corríamos entremeando-as. Lembro que, com a rapidez dos passos descompassados, não percebia distância, a vida virava sonho e até a mariposa pesada da parede parecia ficar mais serelepe, mais brincalhona.
Foi um dia, ela me disse "Me cultive, senão me afogo, Maria". Na hora, ri com o peito cheio. "Não se afoga não, não por mim". Batia os pés na água, compenetrada. Daí a um ano eu fui embora para a capital.
Então, te conheci, meu amor, de que valia a Alameda obsoleta perto da Via Ápia que me destes? Só um grãozinho de pó, mas justo aquele que cai sobre o olho e entra dentro da gente, que deságua, que submerge.
Agora, lhe falo daqui, da minha cidadezinha, que agora mais parece uma vila, onde Andaluz tem uma fonte com seu busto. Logo abaixo: "Me cultive, senão me afogo."

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