capítulo único.

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Junmyeon sabia que, uma hora ou outra, ele estaria ali, em frente à porta de madeira vernizada do seu ex-namorado. Odiava-se profundamente por, mesmo tendo consciência do quão burro estava sendo, continuar ali, aguardando ansiosamente por qualquer sopro de coragem para bater na porta, seus dedos dos pés se encolhendo nervosos enquanto se deliciava com o cheiro familiar que vazava pelos vãos.

Mesmo que fosse a pior das decisões para se fazer, não tinha outra escolha. A sua cabeça entorpecida pela abstinência havia o perturbado até pegar escondido as chaves do Audi A4 sujo de lama da trilha que seu pai havia feito pela manhã e dirigir até o local, um subúrbio perto ao centro de Paris, escondido em um prédio onde os vidros ainda tinham adesivos de uma eleição de 1990. Droga, ele nem era nascido nessa época. O que estava fazendo ali?

O tremor agudo espalhou-se nas sinapses do sistema nervoso do garoto, o fazendo lembrar exatamente da razão. Ele queria, não, precisava de mais maconha. Suas mãos suavam e a cabeça rodava, já eram três da manhã e ele se sentia uma bactéria em meio àquela cidade enorme com um bando de filhos da puta que não serviam nem para lhe fornecer mais droga.

Seu relacionamento com Yixing nunca havia sido pacífico. Começou conturbado, terminou pior do que havia começado, mas viver naquela bagunça os ajudava de alguma forma a fugir da mesmice que eram suas vidas. Gostavam de complicar a si mesmos, complicaram tanto que se perderam em meio a tantos nós. Não viram outra alternativa senão cortar a força as amarras que os prendiam juntos.

Era isso o que pensavam. Parado em frente àquela porta, Junmyeon sentia um fio o puxando até seu ex, um sino-francês que seu avô chamaria de Lúcifer se estivesse vivo. Ele era tudo que seus pais haviam mandado ficar longe no colégio, e talvez isso que o trouxe ainda mais vontade de mergulhar no mar de mentiras e aproveitamento em que viviam.

Junmyeon apresentou a Yixing o conforto de um abraço de verdade. Yixing apresentou a Junmyeon drogas, sexo, rebeldia e perversão. Parecia uma troca justa na cabeça dos dois.

E talvez fosse. As pessoas só podem entregar aquilo que realmente têm. E era disso que Yixing era feito: nada além de escuridão. Porra, Junmyeon sentia tanta falta daquilo.

Falta da melancolia dos beijos, do gosto tão doce e ao mesmo tempo cheio de álcool, entorpecia seus sentidos, o guiava a sensação falsa e corroente de luxúria.

Quando Yixing o fudia perfeitamente, tão bruto e ao mesmo tempo tão suave, o destruindo de dentro pra fora, o capturando em seu olhar animalesco e repleto de ódio, era ali que Junmyeon se encontrava. O doce suor pingava do corpo magro de Yixing e seus sentidos pediam por cada vez mais, ele sabia que só Junmyeon podia dar-lhe mais, até implorar por aquilo. Eram simplesmente feitos um para o outro.

Todavia as coisas acabaram. Junmyeon se viu perdido quando resolveu terminar com Yixing. Era doloroso demais estar com ele. Mesmo que gostasse da forma como sua cabeça torcia como um balão cheio de água, pesando em seu corpo inteiro, toda vez que Yixing dizia uma frase incompleta ou apenas acendia um cigarro quando começavam a discutir, não podiam continuar com isso.

Estavam devorando um ao outro, como o animal faminto que só poderia sobreviver caso comesse o seu companheiro. Eles eram famintos demais para conseguirem viver em harmonia.

Junmyeon tinha o cruel costume de nunca culpar a si mesmo por seus próprios erros. Naquele momento, enquanto encarava o carpete, culpava sua avó por estar com a consciência tão pesada de estar ali. Se ela não tivesse perguntado a Junmyeon para onde ele estava indo, se não tivesse gritado e implorado pra ele ficar, se não tivesse usado a sua irmã menor como forma de manipulação para vê-lo desligar o motor. Se nada disso tivesse acontecido, talvez ele não estivesse com tanto medo de si mesmo, do quão egoísta era. Mas nunca, nunca era culpa dele. O término também nunca tinha sido culpa dele, em sua mente conturbada. Era melhor pensar assim, manter as coisas simples. Yixing não parecia se importar de receber a culpa.

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