Capítulo III(...) Hoje, não passava de um caminhante da madrugada. Talvez precisasse do silêncio ensurdecedor para calar seus pensamentos turbulentos (...)
Na madrugada fria de outono, as folhas secas cobriam todo o caminho por onde passava, o craquelado ecoava nos ouvidos como música na escuridão. Quase como uma companhia àquele corpo solitário. No relógio envelhecido de pulso, o ponteiro marcava 04:45, mas não tinha certeza, pois caminhava há horas e já não acreditava mais em seus olhos e muito menos no velho relógio que sequer dava-se ao luxo de um tique-taque. A mente o distanciava da cronologia, vivia preso a um passado não revelado. Se teve um alguém para acalentar aquele homenzarrão, se ao invés de caminhar pela fria madrugada, repousava em uma cama aquecida, se sonhos tinha e sorria de satisfação, se despertava e espreguiçava-se com a tranquilidade em sua mente. Hoje, não passava de um caminhante da madrugada. Talvez precisasse do silêncio ensurdecedor para calar seus pensamentos turbulentos. Dúvidas nunca respondidas, já que ninguém nunca tinha visto aquele sujeito por ali. Na pequena cidade, as pessoas repousavam tranquilamente, eram uma comunidade com o lema de cuidar do próximo, os vizinhos se conheciam, o problema de um, era as dores de todos. Ajudavam-se como irmãos, doavam-se. Mas, desde que a jovem Juliete desapareceu, uma nuvem negra tomou conta daquele lugar. A confiança não era mais a mesma, afinal, a doce jovem era apreciada por todos e sumiu diante dos olhos cuidadosos, ninguém viu ou sabe qualquer informação. Isso implantou um ar de desconfiança, a semente maldita do mal se instalou naqueles corações. Chegaram a duvidar, a pensar em uma histeria coletiva, quem sabe a menina Juliete nunca tenha existido. Possibilidades das mais variadas surgiram para tentar recuperar a tranquilidade da vila. Mas a garota desaparecida era o talismã que alimentava a esperança da comunidade, com sua ausência, o elo da paz esvaiu-se. Ora ou outra acendia uma luz na madrugada, pois o homenzarrão passava esmagando as folhas secas da calçada, com isso, cães latiam, gatos miavam e pessoas acordavam, acendiam a luz e abriam a janela, na resiliência de se deparar com Juliete. No entanto, tudo que viam era a sombra de um homem caminhando na escuridão, rapidamente fechavam as janelas, na sonolência da esperança, assustavam-se e aquela imagem era um mau agouro. E, ali, ninguém mais dormia, oravam até o medo passar, pensavam ter visto a morte, algo diabólico.