- Capítulo 1: Estou de volta.

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Olá.

Meu nome é Rogélyo Bertodo e "Eu me lembrarei" é o primeiro romance que estou publicando aqui.

Eu adoraria receber feedbacks. Se gostar não esqueça de votar e indicar a um amigo.

Enfim, espero profundamente que goste da leitura e mergulhe de cabeça nas vidas dos personagens.


* * * * *


O sol que acabara de nascer mal iluminava as ruas, mas pelas brechas das minhas janelas francesas o raio entrava forte o suficiente para clarear meus olhos fechados. Era como se ele se escondesse nas sombras, mas não se escondia de mim, como se ele se esgueirasse e fugisse dos que o buscam e resolvesse brilhar apenas em meu quarto. Como um ninja faz pra atacar e atingir seu oponente sem que ele saiba quem foi e de onde veio.

Fazia poucas horas que eu havia chegado à casa de meus pais em Santa Isabel, depois de passar horas e mais horas dirigindo.

Imaginei que se me virasse talvez eu conseguisse dormir um pouco, mas minha tentativa foi interrompida pelo sino da padaria. Senti saudade daquele sino. O sino do pão – como chamavam na cidade. Por muitos anos aquele sino havia sido meu despertador para ir à escola e, nas férias, para ir ao barracão da carpintaria com meu pai. Quando me mudei para a cidade grande – como dizia minha mãe – não existiam sinos de pão. O barulho fora substituído por buzinas e interfones. Muitas coisas que eu amava acabaram substituídas quando me mudei. O café torrado, moído e preparado pela Barbosa, nossa governanta, fora substituído pelos cafés das maquinas, rápidas e praticas. As bebidas produzidas pelos moradores de nossa pequena cidade foram substituídas por requinte e glamour encontrados em garrafas caras e sem conteúdo. Eu ousava me incluir na lista do que fora substituído, pelo menos acreditava que tinha voltado uma pessoa completamente diferente daquela que havia partido anos antes. E lá estava eu, sete anos depois, sendo despertado pelo aviso do pão mas, dessa vez, apenas para apreciar o café.

Cedi ao calor e ao barulho e resolvi descer. Chegando à escada pude ver alguém entrando. Alguém com um chapéu que, com certeza já foi branco. Camisa xadrez, vermelha, preta, branca, desgastada, com os primeiros botões de cima abertos. Calça jeans branca, daquelas que mostram perfeitamente o contorno perfeito de curvas perfeitas. E pra completar, a bota escura, surrada e suja. Aquelas botas certamente tinham mais histórias para contar do que eu quando viajei para o nordeste. Ele fechou a porta e foi direto para a cozinha.

Quando desci e cheguei à cozinha descobri que Barbosa ainda mantinha o costume de me beijar no rosto logo pela manha – Hola Daniel, café ou suco? Ela era espanhola, mudara para o Brasil com o namorado, com o qual se casou e do qual, em pouco tempo, ficou viúva. Não sei bem como meus pais a conheceram, mas ela esta nas minhas lembranças mais antigas e depois de tanto tempo trabalhando em casa era como uma mãe para todos. Como uma mãe para mim, para meu pai, para minha própria mãe e até para as visitas. Teve uma participação tão ativa em nossas vidas que ousava nos corrigir, aconselhar e todos a amavam.

- Café, por favor. – respondi enquanto respondia também o beijo. – Achei ter ouvido a porta bater, foi meu pai? – perguntei na esperança d'ela me dizer o nome.

Assentiu com a cabeça – No, no, mas deve estar de saída, sabe... con tu papá.

Resolvi sair para a varanda dos fundos para tomar meu café com minha mãe e, quem sabe, descobrir quem estava entrando e saindo – e o pai? – perguntei a ela assim que descansei a xícara na mesa de ferro com desenhos vazados.

- Acabou de sair, já foi para o barracão – respondeu.

Meu pai, aposentado da Marinha, teve pouco tempo livre durante minha infância e hoje eu entendo que esse tempo era divido em três.

Primeiro comigo, pescando no lago, no rio ou no mar, falando sobre o quanto era divertido estar no mar, no navio. E só agora entendo o quanto ele aumentava as historias para me entreter.

Depois com minha mãe, visitando os amigos, indo a festas e jantares com os outros marinheiros e suas esposas. O restaurante no monte, logo na entrada da cidade, que minha mãe amava.

E por ultimo, quando o sobrava tempo, as pernas das mesas e das cadeiras. As janelas. As portas. O bote. A marcenaria era como a quarta paixão de meu pai. Depois de mim, minha mãe e a marinha. Por isso comprara um barracão para trabalhar.

- O Júlio trabalha com seu pai, já deve fazer uns dois anos. – disse ela enquanto folheava uma revista.

- Júlio, Júlio? – perguntei – Sim, sim. Júlio, Júlio.

Júlio tinha sido um grande amigo que eu não via ha anos, desde quando me mudei. Então aquele no pé da escada era Júlio? Como eu não o reconheci? Como era possível ele ter mudado tanto em apenas alguns anos? Ou eu havia o esquecido depois de tanto esforço para apagar da minha memoria o ultimo acontecido?

Não fiquei surpreso com o fato de ele trabalhar com meu pai, ele sempre o ajudava quando não tínhamos nada melhor para fazer e eu, apesar de achar bonitas as peças, não enxergava essa alma toda linda que eles viam na madeira. Era como uma charada que só eu não sabia a resposta. Eu entendia as palavras, mas não conseguia decifra-las.

Meu pai nunca se importou com o fato de eu não me interessar. Nós tínhamos outras coisas em comum, como quando saiamos para pescar nas manhãs de domingo, ou quando íamos a igreja nas noites dos mesmos domingos, ou quando discutíamos sobre um livro ou um artigo lido no jornal semanal. Eu gostava de como ele pensava e mesmo não concordando eu me intrigava com como ele sempre tinha um ponto de vista diferente sobre todas as coisas. No fundo de casa, depois da varanda sob o gazebo e do pergolado, tínhamos uma piscina incrível com borda infinita, de onde era possível ter uma vista da orla do outro lado da cidade e a maioria das pessoas amava a luz da lua refletida no mar na calada da noite. Meu pai, entretanto achava triste que o cais, antes tão movimentado com viajantes e turistas, de repente se via tão solitário, silencioso e tocado apenas pela claridade de algo que se encontra a centenas de milhares de quilômetros.

Naquele momento, com a xícara já vazia e minha mãe terminando de folhear a última revista da pilha, eu não sabia se seria uma boa ideia conversar com Júlio. Há sete anos, quando falei com ele pela última vez, sem pensar em nada eu, deliberadamente, me deitei em seu ombro esquerdo enquanto terminávamos de tomar as últimas doses depois de sairmos da festa de aniversário da então namorada dele, Vanessa. Estávamos sentados no cais como uma despedida, talvez aquela fosse a última noite de farra antes de eu me mudar. Havia recebido um convite de uma tia de meu pai no ultimo mês, no meu aniversario de dezoito, para passar um tempo na casa dela e talvez tentar a vida em uma cidade com uma população superior a seiscentos mil habitantes. Todos foram embora e só havia Júlio e eu quando, mesmo sem saber o motivo, levantei minha cabeça de seu ombro, subi lentamente pelo pescoço e toquei, com minha boca seca de medo, o canto da sua boca. Meu estômago estava tomado por algo facilmente comparado a uma cavalaria descendo uma ladeira. Até aquele instante eu não havia me preocupado com nada, mas ele me partiu quando finalmente o beijei. – O que você está fazendo? – sua cara era de espanto, como se eu tivesse acabado de confessar um assassinato e mostrado o corpo. Colocou a lateral da sua mão fechada em meu peito – ele com certeza podia sentir meu coração disparado – me empurrou sem fazer força alguma. Antes que ele dissesse mais alguma coisa, em um piscar de olhos, me desculpei e fui pra casa envergonhado. Tinha vergonha dele, mas também tinha medo que ele contasse para o resto da turma. Éramos os mais próximos, mas sempre andávamos em um grupo de sete, às vezes oito pessoas e se alguma delas soubesse era provável que a cidade toda acabaria sabendo. Decidi então adiantar minha viajem e acabei saindo da cidade menos de uma semana depois. Sem me despedir de ninguém.

Eu    Me    LembrareiOnde histórias criam vida. Descubra agora