Capítulo 3

48 7 26
                                    

Pete ficou parado em frente à casa. A pintura era nova, com cores vivas e alegres. Diferente de quando vivia ali e tudo era cinza e antigo. Esperava que uma família feliz morasse naquele local. Por mais que não o trouxesse muitas lembranças boas, gostaria que alguém pudesse criar um vínculo bom no ambiente que um dia fora palco de seus piores pesadelos.
Apesar de tudo, tivera alguns momentos bons ali. Dos dezessete aos dezoito anos, vivera bem ali. Podia se encontrar com seu namorado incrível e seus amigos maravilhosos. Foi um ano muito bom. Até seu pai acabar com isso. Como sempre fazia com tudo.
Era como se ele pudesse ver os dias em que passou com Patrick sentado naquela varanda. Ou escutar a buzina do carro de Frank quando ia buscá-lo para irem ao cinema.
Não percebeu quanto tempo ficou ali encarando a construção, só notou quando um homem disse:
- Posso ajudá-lo?
O tom era desconfiado. Provavelmente morava ali, ou apenas tinha total certeza que o rapaz não era daquela região.
- Eu só estava pensando... morei nessa casa há dez anos.
O rosto dele se iluminou e um pequeno sorriso apareceu entre a sua barba.
- Peter, não é? Comprei ela de você.
- Oh, sim. Sou o Peter. Mas não me lembro do seu nome.
- Pode me chamar de Dan.
- Ah, prazer em conhecê-lo.
- Quer entrar, ver como está o lugar hoje?
- Uh... não quero incomodar.
- Não tem problema, minhas filhas vão adorar te conhecer.
- Tudo bem...
Que tipo de maluco convida um desconhecido para entrar em sua casa? Agora Pete estava com medo de ser sequestrado. Aquele cara só podia ser louco.
Mesmo com a aflição que tinha, seguiu-o. Já tinha passado por muito naquele local, nada pior poderia acontecer.
- Amor? Cheguei. Trouxe visitas.
- Não trouxe seu colega do trabalho de novo, não é? Da última vez ele derrubou o... - uma mulher loira dizia, porém parou ao vê-los - oh, você é um colega novo?
- Na verdade, esse aqui é o Peter, que morava aqui antes de nós comprarmos.
- Ah, prazer. Sou a Aja.
- Peter - apertou a mão dela.
- Resolvi trazê-lo para relembrar o que viveu aqui. Aposto que tem ótimas lembranças.
- Ah, sim.
Não, na verdade, conseguia se lembrar muito mais das ruins.
Uma garotinha descia as escadas apressadamente, mas parou ao vê-los.
- Quem é você?
- Arrow! Mais respeito. Esse é o Peter. Ele morou aqui antes de nos mudarmos.
A menina ainda estava desconfiada. Bem, fazia sentido. Qualquer um ficaria assim - tirando os pais, aparentemente.
- Mostre a casa para ele, por favor.
- Tenho certeza que já conhece...
- Arrow!
- Tudo bem - revirou os olhos e começou a andar.
Pete a seguia desconfortavelmente. Na sala, tinham duas crianças sentadas no chão, brincando com alguns carrinhos.
- Quem é você? - a garotinha perguntou.
- Ele morava aqui. Peter ou sei lá.
- Você gostava daqui? - os pequenos olhos dela brilharam.
- Você tinha muitos amigos que vinham brincar aqui?
- Ah, sim. Tinha vários amigos.
- Vocês brincavam de carrinho?
- Não - riu - nós gostávamos de jogar futebol.
Ambas fizeram uma expressão de nojo e balançaram a cabeça.
- Você... joga futebol? - Arrow questionou.
- Jogava no ensino médio. Melhor do time por três anos seguidos.
- Uau. Como fez para conseguir isso?
A verdade é que ele não sabia. Sempre fora assim. Só jogava e era bom. Contudo, a menininha provavelmente estava esperando uma resposta inspiradora.
- Você tem que treinar. Bastante. Só que isso sozinho não adianta. Tem que gostar do que faz. Se realmente gostar, nada vai conseguir te parar.
- A única coisa que vai me parar sou eu.
- Isso mesmo.
Ele sorriu.
- Do que estão falando, crianças?
- Pete jogava futebol! Opa... posso te chamar assim?
- Claro.
- Vai querer ficar para jantar, querido?
- Ah, não quero incomodar.
- Sem problemas, querido. Nós sempre gostamos de visitas. Venha!
Era estranho estar comendo ao lado de uma família que não conhecia. Porém, era um sentimento acolhedor. Nunca teve aquilo em toda sua vida. Bem, antes da morte de sua mãe tinha, só que não aproveitou. Era apenas uma criança, jamais imaginaria o que poderia acontecer.
Eles eram animados e felizes. O rapaz sentia-se um pouco deslocado. Seu maior sonho sempre fora ter uma família assim. Com vários irmãos para brincar e pais presentes. Infelizmente fora deixado com um pai alcoólatra que arruinou a sua vida.
- Você morou por quanto tempo aqui? - a mulher perguntou com um sorriso amável.
- Desde que nasci até os dezoito anos.
- Por que se mudou?
- Depois que meu pai faleceu, fui para Los Angeles e decidi vender a casa.
- Oh, sinto muito.
- Está tudo bem.
Se ela soubesse quem o homem fora, não se sentiria nem um pouco mal.
- E a sua mamãe? - a garotinha questionou.
- Gia! - repreendeu a irmã.
- Não tem problema perguntar - sorriu tristemente - a minha mãe morreu quando tinha doze anos.
- Você parece triste... 
Foi impossível não sorrir. Crianças eram tão incríveis e espontâneas. Talvez Patrick tivesse sorte em se dar bem com elas.
- Você é muito legal. Não precisa ficar triste. Sua mamãe te ama.
Aquilo destruiu seu coração. Fazia tanto tempo que não pensava nela. Na maior parte do tempo só sentia como se tivesse a decepcionado. Ele nunca foi o filho perfeito. Não foi capaz de cuidar do seu pai. Não foi capaz de se manter feliz. Ela estaria decepcionada com tudo que fez.
Entretanto, algo nela lhe trazia segurança. As palavras pareciam verdadeiras vindas de uma criança.
- Obrigado - sussurrou.
Pete se virou para o homem, que observava tudo com um grande sorriso. 
- Você tem uma família de ouro.
- Obrigado.
Continuaram a conversar animadamente, até que terminaram e teve que sair. Dan resolveu acompanhá-lo até a saída depois que se despediu de todos.
- Olha, eu adoraria te dar uma carona, mas nossa carro está na oficina, me desculpe.
- Não tem problema. Prefiro muito mais andar ou pegar transporte público.
- Foi muito bom te conhecer. Nós não costumamos convidar desconhecidos para entrar na casa, mas você parecia precisar de uma companhia hoje. Estou bem contente que não é um assassino ou algo assim.
Começaram a rir, sendo o único som a ser ouvido na rua.
- Obrigado por me convidar, de verdade. Seus filhos são adoráveis. E... estava falando sério quando disse que tinha uma família de ouro. Nunca tive isso, então, é bom ver uma assim. Eles têm sorte de ter pais tão maravilhosos.
- Você é muito bem-vindo em nossa casa. Adoramos novos amigos. São todos como uma família para nós. Se você for casado, pode trazer a pessoa também. Como falei, adoramos conhecer gente nova.
- Obrigado, de verdade.
- Aqui está o nosso número, se quiser marcar um dia - entregou um pedaço de papel.
- Claro que vou. E obrigado, mais uma vez. Essa noite foi ótima. Não consigo descrever em palavras.
O homem apertou sua mão, dando um grande sorriso.
- Boa noite, Pete.
- Boa noite, Dan.
O garoto seguiu seu caminho de volta, incapaz de conter a felicidade. Aquelas últimas horas tinham sido uma verdadeira montanha-russa de emoções. Sentiu um frio no estômago ao se lembrar de Patrick. Apesar de estarem próximos, sentiam-se tão distantes. Já haviam sido inseparáveis, conheciam cada segredo um do outro, todos seus medos e inseguranças eram compartilhados e sempre estavam ali para se ajudarem. Agora, no entanto, eram completos desconhecidos. Nunca havia imaginado em seu coração adolescente apaixonado que estaria naquele situação, desconhecendo seu grande amor. Já em seu coração adulto sem esperanças, jamais imaginara que poderia estar reencontrando-o. Era confuso e com certeza não parecia real. Ah, ali estava Patrick novamente em seus pensamentos. Assim como quando se conheceram. O ruivo era viciante. Quanto mais pensava nele mais precisava pensar nele. Em seu perfume suave que envolvia o ar e no seu belo sorriso.
Contudo, sabia que era inútil manter esperanças. Alguém como ele nunca ficaria solteiro por tantos anos. As pessoas provavelmente se atiravam sobre ele a todo momento. Quem não gostaria de namorar um homem como Patrick Stumph? Pete com certeza gostou. Mas isso foi há muito tempo. Não há razão em criar esperanças. Eles nunca mais ficariam juntos. Suas chances acabaram dez anos atrás.
Ambos sabiam que precisavam seguir em frente. Então por que essa ideia era tão dolorosa? Por que o aperto no peito cada vez que pensavam no nome um do outro? Por que não conseguiam simplesmente esquecer de tudo? As coisas teriam sido tão mais fáceis.
Quando pensava demais naquilo, Pete desejava ter ido com seu pai. Teria poupado tanto sofrimento. Talvez Patrick pudesse ter sido mais feliz, sem a presença dele para estragar sua vida.
Agora era tarde demais. O estrago já estava feito. Precisava continuar. Mesmo que isso doesse. Mesmo que desejasse estar ao seu lado. Mesmo que fosse seu rosto que visse nos momentos em que mais se sentia sozinho. Mesmo que sentisse que tinha uma chance. Não valia a pena ter esperanças. Peterick estava acabado. E nunca mais voltaria a existir.

»●« »●«

Decidiu que precisava de mais tempo para pensar antes de voltar ao apartamento. Ficou andando sem rumo pela cidade por algum tempo. Passou por lugares perigosos, mas a maioria dos locais só estavam desertos e escuros. Não parecia a cidade que se lembrava. As vezes desejava ter de volta a visão adolescente que tinha do mundo. Esperança e desejo de inspirar a todos. Sentia um pouco de falta. Porém, tinha mais saudade do amor. De se sentir mais leve que o ar, dos intermináveis sorrisos e da sensação de estar completo.
Quando finalmente decidiu retornar, era tarde. Esperava que os amigos não tivessem se preocupado com ele. Nem pensado que havia feito alguma besteira.
Entrou no local silenciosamente, temendo que estivessem dormindo. Bem, pelos sons que ouviu, eles definitivamente estavam acordados. Jogou-se no sofá, colocando os fones de ouvido. Tinham coisas que preferia não ouvir.
Um pequeno papel caiu de seu bolso enquanto se arrumava para dormir. Não conseguia ler no escuro, porém, sabia o que era. Ele se perguntou se Patrick estaria acordado. Talvez estivesse trabalhando. Sabia que as rotinas de médico eram sempre desreguladas.
Apertou o papel com força na mão, questionando se seria uma boa ideia ligar. Não gostaria de acorda-lo. Mas talvez ele não estivesse dormindo. Poderia ter uma chance. Só queria escutar sua voz novamente. Droga, passou dez anos sem escutá-la e agora não conseguia passar dez horas. Ele se odiava por isso. Bem, não era como se ele tivesse conseguido supera-lo em todo aquele tempo, mas agora os sentimentos estavam mais intensos. A proximidade o trazia lembranças. O tempo que passou na sua antiga casa também contribuiu para isso. Era quase como se tivesse conseguido visualizar o momentos que tiveram juntos, escutar suas risadas e música que ouviam enquanto dançavam para esquecer dos problemas. O maior problema tinha sido que essas lembranças boas eram em menor quantidade. Recordou-se dos gritos do pai, dos discursos de ódio, do seu quarto destruído, da sua última discussão. Tudo voltou com força naquele dia, não conseguiu evitar. Precisava de uma forma se distrair.
Teve uma ideia, entretanto, era algo que não ousou fazer nos últimos anos. Agora provavelmente não importava mais. Já sabia da vida de Patrick, não faria mal algum em procurar suas redes sociais.
Tomou coragem e finalmente se pôs a digitar o nome do garoto. O primeiro resultado era de alguém que claramente era quem desejava. A foto, o nome, tudo parecia se encaixar. Menos a quantidade de seguidores. Como ele tinha mais de cem mil seguidores? E como nunca tinha aparecido qualquer coisa dele? Parecia surreal, como se ele não devesse ter visto aquilo.
Tinham vários vídeos dele cantando. O mais recente havia sido postado um há mais de um ano. O resto eram fotos aleatórias dele, algumas no hospital com algumas crianças enquanto segurava um violão decorado.
Pete precisava confessar que sorria ao ver a clara felicidade estampada no rosto do ruivo. Ele parecia realmente gostar do que fazia. Seu sorriso, no entanto, desapareceu ao ver um dos vídeos dele cantando, de quatro anos atrás. Estava à beira de lágrimas ao escutar a voz que sentiu tanta falta:
- Uh, oi. Eu... não sei nem como começar isso... essa música foi escrita por mim há muito tempo atrás. Estava pensando em uma pessoa quando escrevi. Mesmo que a gente não se fale mais, esse cara foi muito especial para mim. Gostaria de ter dito isso mais vezes. Infelizmente não posso voltar no tempo. E agora nós seguimos em frente. Então aqui vai. Apresento a vocês, 'Everybody wants somebody'.
Foi impossível conter o choro. Lembrava-se exatamente para quem aquela música fora escrita. Era ele. Escreveu aquilo na época em que namoravam em segredo. Não conseguia acreditar que mesmo depois de tanta coisa, ainda estava cantando sobre ele. Patrick nunca se esqueceu dele. Mesmo que tenha sido para dizer que seguiram em frente.
Pete nunca se esqueceu de Patrick. E nunca conseguiu seguir em frente.

Astronaut ●Peterick●Onde histórias criam vida. Descubra agora