Prólogo - CNH vencida.

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   Daniel largou o tablet, descarregado, no banco ao lado. Resolveu se distrair olhando a paisagem verde alaranjado do campo, naquela recente manhã. As porteiras de fazenda ficavam para trás e os caminhões passavam pelo veículo, na via oposta, cortando o vento. O ar puro do campo entrava no veículo por uma fresta aberta da porta do carona, o vento forte batia no seu rosto moreno e fazendo os seus longos cabelos escuros se esvoacarem no apoio de cabeça.
   O veículo seguia a estensa avenida, descendo uma colina e se aproximando de outra.
   — Avisou minha mãe, né? — Disse uma voz feminina, do banco a frente.
   Dani voltou seu foco ao banco da frente, onde sua mãe estava sentada. Ela olhava para seu pai, esperando a resposta, Dani, instantaneamente, imitou, olhando para ele também.
   — Sim, eu chamei um Uber para ela.
   Um rosto de alívio veio ao rosto da moça, que voltou a olhar a janela.
   — Você tem certeza? — Pergunto, voltando ao foco a ele, novamente.
   O homem respirou fundo, hesitando em falar.
   — Eu estava dirigindo e, eu e o Adam, quase atropelamos um sujeito, ele tava acabado.
   — Mas pudia ser só um bêbado.
   O homem respirou fundo e pensou bem no que falar, olhou no retrovisor e viu Daniela, que prestava a atenção como uma criança dentro de um bomboniere
   — Eu já conversei com meu chefe e é melhor a gente ficar no sítio do Tio João.
   Fez uma pausa.
   — Pelo menos até isso se confirmar ou não.
   A moça lambeu os lábios, balançando levemente a cabeça, hesitando, mas, no fim, concordou.
   Daniela continuou a olhar para a paisagem a sua direita, após sentir a pressão do carro subindo a colina. Lá de cima, ela conseguia ver os animais pastando a uma longa distância.
   Olhou de canto seu pai, que olhava sua mãe, que sussurrava algo que ela não conseguia ouvir.
   — PAI!!!
   O homem olhou, imediatamente, para frente. Uma careta, vinda desgovernada, invadindo na contra mão. O homem, instantaneamente, jogou o veículo para direita, subindo na calçada, batendo no proteção e a atravessando. As rodas saíram do chão e o veículo caiu do desfiladeiro. Dani não sentiu a gravidade a puxando, o tablet levitou no ar e tudo que estava solto no porta trecos. Daniela fechou os olhos e ouviu o vidro e o ferro, quebrando e amassando.

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   Daniela abriu os olhos assustada, mas os fechou ao sentir olhar para a luz que entrava na cabana, tampou a faixa alaranjada de sol com a mão esquerda, se levantando com um impulso e ficando sentada. Esfregou os olhos com os dedos e se espreguiçou, bocejando. Dani puxou o zíper de cima para baixo e a luz da manhã entrou, saiu para o lado de fora, quase tropeçando na própria barraca. Olhou ao redor da clareira, sentindo o vento que esfriava a lateral do seu rosto, uma rajada forte de vento soprou e balançou as árvores, que bramia. Seu cabelos, curtos e emaranhados, balançavam um pouco, seu corpo era mais alto e sua idade, claramente, era mais velha. As nuvens alaranjadas pontilhavam o céu azul marinho, os pássaros cantavam e voavam em círculos ao redor das árvores frutíferas. Uma panela, com a boca coberta por alumínio, estava encima das fuligens esbranquiçadas da fogueira, um pouco de fumaça ainda subia, serpentiano e sumindo. Dani retirou o alumínio, enquanto ouvia o líquido batendo nas laterais. Tomou goles, apressado, da água, enquanto olhava ao redor.
   A clareira estava cercado por árvores de médio porte, os arbustos escondiam sua localização.
   Tomou o último gole e voltou a barraca, entrando com metade do corpo, pegando uma mochila aberta, dentro, tinha algumas vestimentas e um carregador, com uma bala, cor de ouro, a mostra, a mochila estava suja e com algumas partes rasgadas, incluindo uma alça amarrada. Amarrou e pendurou a panela na lateral da bolsa e a colocou no chão.

   A barraca estava desarmada e Dani estava dobrando o tecido. Cantarolava num tom baixo, quase sussurrando, a letra da música que conhecia. Prendeu o tecido encima da mochila e os gravetos de fibra dentro da bolsa. Chegou próximo ao resto de madeira queimada da fogueira e a cobriu com terra. Olhou para o sol, indiretamente, fazendo uma sombra com a palma de sua mão, o grande ponto de ouro estava distante do horizonte e boa parte do seus raios estavam sendo impedidos pelos grandes arranha-céus a leste do parque. Em seus pensamentos, imaginava os minutos que já haviam passado e se apressou. Se virou e andou para pegar no chão um mapa, preso com duas pedras, que o impedia de voar. O dobrou e guardou na bolsa, saindo em direção a oeste, seguindo pela mesma trilha que veio.
   Após andar alguns metros de onde estava, pela trilha com grama de cobrir os joelhos, ouviu um tiro, vindo do leste. Os pássaros se dispersaram no céu, gritando e chiando em todas as direções. Daniela se virou, em direção ao som, com o olhar de assustado. O som era perto o suficiente para se preocupar, levando a mão a cintura lentamente, tirou a camiseta xadrez, por cima da branca, da frente, mostrando a arma escondida. Os som de galhos se quebrando atrás dela a fez puxar o revólver imediatamente, se virando e vendo o indivíduo sair das densas moitas. O sujeito avançou contra a garota, balançando a cabeça de um lado para o outro. Dani apontou e apertou o gatilho... A arma fez o barulho de metal algumas vezes, falhando.
   — Merda!
   Dani tentou usar a coronha do revólver, mas, antes que pudesse desferir um golpe, o indivíduo pulou e a derrubou no chão. Daniela recobrou a consciência rápido o suficiente para olhar onde sua arma tinha caído e, se arrastando, seguir em sua direção. Dani ouviu o sujeito grunir e a terra sendo pisada, como um esforço para algo, no entanto, ignorou e continuou. Dani se virou quando ouviu o sujeito andar e avançar, se protegendo com os braços na frente do rosto. O indivíduo se jogou por cima, mas a moça conseguiu bloquear. O louco subiu encima da garota e, enquanto desferia golpes contra ela, Dani conseguiu olhar bem para o rosto do seu agressor. Sangue, necrosado, marcavam sua boca toda, sua pele estava pálida e seus olhos, um castanho esbranquiçado, estavam avermelhados na parte da esclerótica, com várias bolhas de pus nas olheiras, na parte inferior da mandíbula direita e no pescoço. A garota segurou a respiração, enquanto aguentava as pancadas. Um golpe em específico fez o indivíduo perder o ritmo. Com um rápido reflexo, Dani correu a mão próximo ao bolso da calça, puxando uma faca pequena e, imediatamente, com uma série de golpes, esfaqueou a lateral da barriga do sujeito, que gemeu de dor, dando o espaço que Dani precisava. O indivíduo batia os dentes, enquanto gemia e trepidava no chão. Usou as mãos e os pés para se afastar e se levantou rapidamente, olhou por um instante o sujeito caído, depois a pistola, avançou o mais rápido, não percebendo o outro indivíduo se aproximando e agarrando e empurrando seu ombro, o tranco a fez se desequilibrar e cair novamente, caindo sobre a grama alta. O homem era mais alto que o anterior, era gordo com grandes bolhas de pus, espalhadas por todo corpo, respirou com uma grande rouquidão e gritou, abrindo os braços. A garota se arrastou mais um pouco, conseguindo alcançar o objeto, se virando e apontando para o sujeito e, novamente, a arma travou, de toda forma tentou atirar, falhando em cada uma delas. Puxou o ferrolho, mas não estava funcionando. O sujeito agora estava indo em sua direção, com passos lentos, mas longos. Daniela tirou sua bolsa de suas costas, abriu e procurou em seu interior, puxou o carregador e se arrastou para trás, enquanto tirava o outro pente, colocou o outro e puxando o ferrolho, apontou e, quase que imediatamente, atirou, atingindo o peito do homem, que caiu agonizando. Estava hiperventilando, mas se lembrou do outro, ao ver a grama alta amassando gradualmente em sua direção, sem hesitar, apontou e, quando o rosto do sujeito surgiu, disparou duas vezes, uma no ombro e uma na cabeça, fazendo sua cabeça ir para trás e voltar, com um rombo entre os dois olhos.
   O verde da grama, recém amassada, estava rajada com sangue. Daniela se recompôs, respirando fundo, se levantou e investigou seu corpo, mas só tinha o sangue dos indivíduos, ficando brava com aquela sujeira. Indo até os corpos, esquadrilhou os bolsos, mas não achou nada de útil, apenas uma carteira com uma CNH vencida.
   — Thiago Henrique de Oliveira, nascido no mês de abril... — Ditou Dani. — Hum... Foda-se.
   Jogou o documento, igual o boomerang, para longe, sem olhar onde caiu.
   Novamente, tiros vindo do leste, mas desta vez, em rajadas, mais próxima do que antes próximo. Daniela se apressou, pegando sua mochila e continuando a trilha, deixando marcas de sangue, em formado de bota.
  

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⏰ Última atualização: Dec 04, 2020 ⏰

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