Capítulo Único

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Minha ansiedade e meus medos infantis sempre me faziam ficar nervosa ao sair de casa, mas aquela noite havia algo de diferente. O medo estava maior que o normal e junto com ele havia o constante sentimento de estar sendo observada em qualquer lugar que eu fosse.

Era uma noite quente de primavera, não tão quente quanto às de verão, mas mais quente que das outras estações. No entanto, não havia ninguém nas ruas. Eu não morava em uma região perigosa, era comum ver garotos reunidos em rodas fumando narguilé, mas naquela noite não havia nenhum garoto na rua. Até mesmo os gatos e cachorros pareciam estar se escondendo.

Olhei em meu relógio para me certificar que não havia dormido demais - não seria a primeira vez que decido dormir antes de uma festa e acabo me atrasando - mas ainda eram 23h00min e era um sábado. Um vento frio atravessou minha camiseta transparente e gelou minha espinha, estava tudo tão silêncioso que pude ouvir as folhas das árvores se movendo. Imediatamente lembrei-me daquelas cenas de filmes de terror onde algo ruim sempre acontece após um vento como este e agarrei forte o canivete borboleta em meu bolso. Nada aconteceu.

Embora nada tivesse acontecido, meu medo não diminuiu nenhum segundo. Aquela sensação de estar sendo seguida não me abandonou em nenhum momento. Havia algo de muito errado àquela noite e eu não queria ficar ali para descobrir. Por diversas vezes pensei em dar meia volta e ir para a minha casa, mas havia prometido para mim mesma que não deixaria meus medos e paranoias continuarem atrapalhando minha vida.

Segurei o canivete com mais força e acelerei o meu passo, estava quase correndo. Faltava em média meia hora de caminhada, mas do jeito que eu estava andando aquele tempo se reduziria em quinze minutos. Eu queria correr o mais rápido que minhas pernas me permitissem, mas devido ao meu sedentarismo e hábito de fumar meu corpo não aguentaria correr por muito tempo nem se minha vida dependesse disso. Era melhor poupar o fôlego para quando a minha vida realmente dependesse disso.

O vento continuava fazendo as folhas balançarem e eu o amaldiçoava por deixar o clima muito mais sombrio, mas também o agradecia por não deixar tudo cair em completo silencio. Eu enlouqueceria se tudo estivesse quieto.

Os cachorros das casas começaram a latir ao mesmo tempo, era um latido raivoso e amedrontado ao mesmo tempo, mas em meio a tudo isso era possível ouvir um rosnado alto e diferente de qualquer outro que eu já havia ouvido.

Um arrepio forte subiu minha espinha e se espalhou por todo o meu corpo. Meu coração apertou e eu sabia que alguma coisa muito ruim aconteceria comigo ou com alguém que eu amava. Aquilo não era mais uma paranoia, era um pressentimento.

Quando finalmente cheguei ao lugar da festa, eu estava suada e completamente sem fôlego. Demorei algum tempo e algumas latas de cerveja até conseguir esquecer aquele sentimento.

Passei a noite fazendo o mesmo de sempre, já nem me lembrava de nada que havia acontecido antes de chegar àquele lugar. Bebi até não sentir o gosto de mais nada que eu estivesse engolindo, fumei praticamente um maço de cigarros inteiro e conversei com pessoas que eu nunca havia visto na minha vida como se nos conhecêssemos desde a infância.

Minha saúde sempre foi frágil e era normal eu ficar doente de uma hora para outra, então não fiquei surpresa quando me vi tremendo devido a uma febre alta e repentina. Eu odiava quando aquilo acontecia no meio de alguma festa, mas como eu já estava com dor durante a tarde devia ter imaginado que algo do tipo aconteceria.

Sai da festa sem falar nada para ninguém, era óbvio que ninguém se importaria ou se lembraria.

Eu estava completamente bêbada e mal conseguia andar em linha reta, mas em momento algum soltei o canivete que sempre mantenho em meu bolso. A noite havia ficado mais fria e o vento estava muito mais forte, não era o clima ideal para alguém no meu estado ficar caminhando, mas odiava ter que pagar para chegar de carro em curtas distâncias.

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