à flor da pele

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[escrita em 26 de outubro de 2019]

Não era sempre assim. Definitivamente não. Mas aquela tarde era excepcional: excepcionalmente quente. Estar no tédio sempre tinha uma coisa familiar e igual. Mas não aquela tarde. Era a tarde mais quente daquele verão. Sei disso porque, quando a estação acabou algumas semanas mais tarde, aquele dia ficou registrado como o mais quente do ano. Então não era para tanto que eu estivesse daquele jeito, e também não foi exagero como me senti no inferno ao cair da noite, muito embora, àquela hora, já houvesse outro motivo para o meu calor. Não era só na pele, era um inferno interno também, com cada pedaço do meu corpo ardendo em chamas ao ser rasgado, dilacerado e atravessado pelo amor.

Lembro que estava deitado no chão. A casa estava vazia, e eu tinha juntado todo o meu material de desenho para ficar estirado no piso gelado, esfriando meu corpo como uma criança. Já tinha tomado três garrafas de água. É, eu ainda me lembro de todos os detalhes daquela tarde. Lembro-me do som das cigarras do lado de fora em contraposição ao silêncio da casa. Do baixo som do pequeno ventilador tentando me refrescar. Ventiladores. Estávamos tentando economizar dinheiro em casa, por isso o ar condicionado permanecia desligado por quanto tempo aguentássemos. E eu já não aguentava mais, então me levantei para fechar as janelas e portas e finalmente gelar a casa por inteiro, me preparando para passar o final de semana sozinho e no frio. O bom de se estar sozinho é poder fazer o que quiser quando quiser, mas eu sempre preferia estar com você do que sozinho.

Lembro de ter me esticado no sofá ao ouvir o som do celular; abri a sua mensagem, eufórico, como sempre ficava quando lia seu nome nas notificações. "Está muito quente, vamos tomar sorvete! Comprei um pote e estou indo". Já tínhamos combinado que você viria em casa para desenharmos juntos, e saber que você viria com sorvete me fez sorrir mais. Fiquei esperando os segundos passarem logo para que você surgisse com seu enorme sorriso, mas tudo parecia moroso quando eu te esperava, talvez porque, se tratando de você, eu sempre queria tudo para ontem. Eu ficava contando os segundos e te imaginando. Te imaginava chegando, e eu sabia que você diria "o Hyung chegou!", me estenderia o sorvete e passaríamos a tarde toda colados ao chão, desenhando até cansar e depois olhando o teto e falando sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Talvez palavras nem fossem necessárias, porque no silêncio também conversávamos. E em algum momento eu abriria a geladeira para pegar os morangos que comprara só para te agradar. Depois voltaria e te observaria comê-los, sujando seus dedos no vermelho, e imaginaria por que eu nunca tinha coragem de colocá-los na minha boca e limpá-los para você. Imaginaria por que meu corpo parecia não existir e — não, melhor: imaginaria por que meu corpo parecia não ter bordas, ser uma coisa única com tudo ao redor, menos com você. E eu queria ser uma coisa só com você, Taehyung. Uma coisa derretida, fundida, única, entrelaçada, enroscada, enrodilhada. Eu queria te segurar pelos ombros, te beijar até esquecer que existia vida e te olhar nos olhos bem de perto e lembrar que ela toda estava à minha frente, pulsando quente em tons de fogos de artifício. Ver cada detalhe das suas íris e brincar de ligar os pontos com as suas pintinhas, dedilhando cada espaço seu. Cada detalhe que houvesse pelo seu corpo, eu queria cada um. Eu queria cada pedaço seu encostado em mim, eu queria sua pele pegando fogo com a minha sobre o chão gelado, eu te queria no seu silêncio ou nas suas palavras, me puxando para perto e me dizendo tudo que quisesse ou nada.

E quando a campainha enfim tocou e eu abri a porta, você estava ali. Todo o universo estava parado e condensado ali, esperando que eu desse um passo atrás para que entrasse, carregando consigo todo o céu, todo o oceano, toda a Terra, todas as galáxias. Era você. Esse era você para mim, Taehyung. Ah, se algum dia eu conseguisse te dizer, te diria com todas essas palavras e mais um monte delas, derramaria cada pensamento meu junto aos beijos que daria pelo seu corpo e te idolatraria como merecia.

minha pele sob seus desenhos, meu corpo sob seus dedosOnde histórias criam vida. Descubra agora