Capítulo: 2

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**Salem** 

**1711** 

Pov Narrador

É imperativo que eu venha pessoalmente relatar a terceira parte desta história macabra.

Estamos em Março de 1711. Hoje, dia 3, é um dia que não passa despercebido em Salem. A cidade murmura com a aproximação do aniversário da morte das supostas bruxas — ou, como alguns preferem, o massacre das mulheres de Salem.

Ninguém, em sã consciência, se aproxima da Floresta Negra. Os boatos de bruxaria, embora desmentidos, ainda permeiam o medo. À medida que o sol se põe, os habitantes se trancam em suas casas, e as crianças se escondem sob as cobertas, temendo serem arrastadas para o abismo das trevas.

Mas isso não é o ponto principal. Vamos ao verdadeiro cerne da questão.

Lembra do aniversário que mencionei? Vamos focar nesse "evento especial". E quem vai lhe contar não sou eu...

**Ponto de Vista: Karla Camila**

A cegueira da sociedade diante do que não compreende é repugnante. Eles tratam as ameaças como doenças contagiosas. E a Igreja? Um covil de corrupção, hipocrisia e medo. Eu sinto um prazer perverso em ver seus rostos contorcidos de terror e os gritos desesperados implorando por ajuda a um Deus ausente. Você pode achar isso um delírio, pensar que sou insana por me deliciar com isso, mas há uma razão para isso. Não é o momento de discutir o "porquê", mas ele é irrelevante. Todos têm um "ser" interno que lhes oferece conselhos, mas eu não tenho esse "ser". Eu sou a que dita as regras, doa a quem doer. Minhas irmãs e eu rompemos com tudo o que nos foi ensinado para ser algo que não somos. Não nos importamos com o que os outros pensam. Se você parasse para refletir sobre o diferente, veria que nada é verdadeiramente novo. As pessoas preferem a monotonia, seguindo cegamente o que é passado de geração em geração. Elas moldam suas mentes rapidamente, acreditando em tudo o que um ser superior prescreve. E ao lançar um preconceito sobre isso, tudo se torna aparentemente compatível, não acha?

Vou revelar um segredo obscuro. Algumas das mulheres queimadas anos atrás não eram bruxas. Sim, não eram. E por que foram mortas? Como eu disse, a Igreja é um lugar de podre corrupção, soberania e machismo. Homens com livros antigos declaram que Deus é a salvação e que o pecado é um caminho sem retorno. Para eles, tudo é pecado ou a infâmia do Diabo, como afirmam. Algumas dessas mulheres se envolviam com outras mulheres, provocando burburinhos e ferindo o ego masculino. A Igreja, que se considera a detentora da verdade, as condenou por tais práticas "infames". Chamaram-nas de filhas do Diabo, pecadoras que profanaram a imagem de Deus. Não isso não te enraivece? Não te faz querer esfregar na cara deles o quão errados estão? A morte... como eu amo essa palavra. E o fato de poder causá-la é uma excitação surreal. Ver o sangue desses seres insignificantes em uma taça de ouro é um desejo pervertido que me consome.

Nossa cuidadora afirma que viemos para fazer esses tolos se renderem. Eu prefiro chamá-lo de discórdia. Isso se encaixa mais com o que tenho em mente.

Hoje é meu aniversário, e, como sempre, parece que nada muda. O que planejo fazer hoje é uma ruptura total com tudo o que já fiz.

O que eu não sabia é que isso mudaria radicalmente minha vida no futuro.

Se você já ouviu falar do eclipse lunar, sabe que é uma noite carregada de magia, onde a energia da lua amplifica a força mágica e sua duração.

Para que o ritual funcione, é necessário um pouco do meu sangue e ingredientes específicos.

Com a noite caindo, montei meu cavalo e galopamos até o rio, perdido na floresta. Chegamos por volta das nove. Amarrei o cavalo a uma árvore e segui até a margem do rio. Coloquei minha bolsa no chão e retirei uma combuca de barro, colocando-a diante de mim. Em seguida, tirei uma adaga de prata, com uma esmeralda no cabo. Organizei todos os itens ao redor de mim. Para o feitiço, a pureza é essencial, tanto carnal quanto espiritual. Separei três recipientes artesanais com símbolos diferentes.

O recipiente com o pentagrama é para armazenar meu sangue fresco.

O recipiente com a figura de um homo sapiens representa o corpo. Quando a lua refletir na água do rio, este recipiente será preenchido com água.

O recipiente com o coração tem vários significados. Nenhum deles é de interesse real, mas, como disse, a pureza é crucial para o feitiço. Portanto, coloquei mel neste recipiente.

Peguei a adaga e fiz um corte profundo na palma da minha mão, deixando o sangue escorrer para dentro do recipiente com o pentagrama.

Separei ervas, joguei-as na combuca e amassei-as até extrair o líquido necessário. Olhei para o céu, onde o eclipse começava a se formar. Ajoelhei-me, desabotoando meu vestido e deixando-o escorregar pelo meu corpo.

Quando fiquei completamente nua, comecei o ritual.

- Mo fẹ ohun ti diẹ ni. Mo fẹ akọbẹ ti o yipada laarin buluu ti okun ati alawọ ewe ti iseda. Mo fẹ irawọ to lagbara ati akọni. Mo fẹ ẹ. O ti o ti samisi fun mi. Iyẹn ni lilọ kọja awọn aala ti aaye ati akoko. Iyẹn kọju si ohunkohun. Ti o rin ni ọsan ati ni alẹ. Angẹli ati ẹmi eṣu òkunkun ati ina. - Recitei as palavras, misturando o conteúdo dos recipientes dentro da combuca.

A lua começou a mudar para um tom azul profundo. Levantei a combuca e caminhei para dentro do rio.

- Mo fẹ ohun ti diẹ ni. Mo fẹ akọbẹ ti o yipada laarin buluu ti okun ati alawọ ewe ti iseda. Mo fẹ irawọ to lagbara ati akọni. Mo fẹ ẹ. O ti o ti samisi fun mi. Iyẹn ni lilọ kọja awọn aala ti aaye ati akoko. Iyẹn kọju si ohunkohun. Ti o rin ni ọsan ati ni alẹ. Angẹli ati ẹmi eṣu òkunkun ati ina. - Repeti, erguendo o recipiente para o alto, meus olhos fixos no céu.

A lua mudou novamente, desta vez para um verde doentio e perturbador.

- Mo fẹ ohun ti diẹ ni. Mo fẹ akọbẹ ti o yipada laarin buluu ti okun ati alawọ ewe ti iseda. Mo fẹ irawọ to lagbara ati akọni. Mo fẹ ẹ. O ti o ti samisi fun mi. Iyẹn ni lilọ kọja awọn aala ti aaye ati akoko. Iyẹn kọju si ohunkohun. Ti o rin ni ọsan ati ni alẹ. Angẹli ati ẹmi eṣu òkunkun ati ina. - Repeti pela terceira e última vez, a minha voz um sussurro carregado de intenção sinistra.

O conteúdo dentro da combuca começou a pegar fogo, as cores oscilando freneticamente entre azul e verde, lançando sombras que dançavam nas árvores ao redor. Deitei-me sobre as águas geladas do rio, boiando com a combuca sobre minha barriga, permitindo que as chamas e as luzes da lua refletissem sobre meu corpo nu. Quando a lua voltou ao seu estado normal, o fogo se extinguiu, deixando apenas cinzas e o aroma de algo profundo e primordial. Levantei-me da água, segurando o recipiente com firmeza. O fogo transformara os ingredientes em pó negro e fumegante.

- Que assim seja feito. - Sussurrei com uma frieza mortal antes de lançar o pó para o alto, permitindo que o vento levasse os vestígios de meu ritual.

Na juventude, cometemos muitas loucuras. E certamente esta foi a maior e mais aterrorizante de todas.

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