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Muitas coisas podem ocorrer em um mundo onde não há muita presença do sol. No momento me encontro debaixo de um tanto de neve, posso dizer que um tanto considerável. Meu nariz e bochechas estão vermelhos em meio a palidez de minha pele, meus cabelos tão claros quanto o que me cobre estão encharcados e me fazem pensar que mais uma vez ficarei doente. Meus olhos felizmente não foram pegos pelo monte de neve, o que me deixa menos preocupado, já que, como todos sabem, íris vermelhas como sangue fresco são mais sensíveis que qualquer outra.

Pisco lentamente e direciono minha cabeça para a imagem daquele grande e majestoso castelo, não consigo ver ao certo como é o reino que o cerca, mas seus contornos brilhantes revelam o ouro usado para contrui-lo, isso sempre me encanta, faz-me pensar que toda sua cidade brilha de tal forma. Ele está lá, refletindo o sol em meio a montanhas de água congelada, formando umas das imagens mais maravilhosas já vistas.

Onde eu moro, Snoweer, ele é um sinal de esperança para muitos, de que um dia todos poderão conhecer tuas maravilhas. O povo de nossa aldeia se reúne toda tarde, quando o sol insiste em nos dizer adeus, para contemplar o momento mais estonteante daquele edifício. Pais contam histórias animadas para seus filhos: De que um dia todos poderemos saber sobre os mistérios do outro lado. Os mais velhos assistem em silêncio com olhos apagados por uma vida inteira esperando algo que nunca chegaria, a melancolia é a única que permanece. Dessa forma, as tardes são divididas entre picos de esperança e sentimentos profundos, mas grande respeito pela visão única de cada um.

Sinto minhas mãos começarem a arder depois de tanto tempo no frio intenso, logo tento me debater um pouco esperando que a neve possa cair para os lados.

— Kryaj! Você está bem? — Apesar da visão um pouco confusa, consigo reconhecer minha querida irmã e teus olhos intensos como a parte mais profunda de um iceberg. Teus cabelos bagunçados e esbranquiçados caem delicadamente sobre suas bochechas redondas e quase tão vermelhas quanto as minhas.

— Estou, querida. Mas acho que sozinho será difícil sair daqui, consegue me ajudar? — Tento acalmar a pestinha, já que sua expressão entrega toda sua preocupação — Você tem 9 anos, Amira. Sabe que não deveria estar sozinha por aqui.

—Kryaj, eu já sou grandinhas e se não fosse por mim você poderia morrer aqui. — Sua fala saia cheia de esforço por toda força que fazia para me livrar do peso daquela neve — Você sai para caçar sozinho no meio do nada sempre e deixa a mamãe preocupada, você não pode nos deixar sozinhos!

— Me perdoe. — Sua expressão agora se tornou uma mistura de tristeza e cansaço. Penso que uma criança não deve passar por tantos receios. — Eu sou um homem, sou forte e tomarei mais cuidado.

— O papai também dizia ser cuidadoso... — Seus lábios se apertaram e logo após suas bochechas estufaram enquanto franzia as sobrancelhas. — Mamãe está cuidado do Hiaje e da Kalya, então nem percebeu que sai. Vamos voltar logo.

— Claro. — Me levantei lentamente e ajeitei meus materiais de caça, meu cutelo se encontrava mais à frente com o tesouro daquela noite. — Mas para sua informação teremos coelho para o jantar! — Dou um sorriso para minha irmã enquanto levanto a caça na altura de minha cabeça.

Chegamos em nossa tenda e já sabíamos que todos estariam no ritual do por do sol, seguimos até onde estaria o restante da aldeia e nos direcionamos até nossa mãe.

— Às vezes eu me preocupo muito com você, Kryaj. Felizmente, meu coração sempre estará conectado ao seu. — Com íris tão vermelhas quanto as minhas fui encarado. Pude encontrar um misto de muitas emoções, mas nenhuma delas me agradava. — Daqui uma semana alguns dos homens jovens partirá... Já se decidiu?

Uma vez por ano um grupo de homens saia de Snoweer a caminho daquele reino de esperança, mas sempre havia três opções: Voltavam sem boas notícias, ou com ferimentos graves ou não voltavam. Quando pequeno meu sonho era poder acompanhá-los, mas com a morte de meu pai, guardei-o em meu peito por muito tempo, sentia o peso da responsabilidade de minha família, eles só tinham a mim. Minha mãe nunca esteve contente com minha decisão de abandonar meu sonho, sempre apoiou que eu mantivesse meus anseios vivos e tivesse uma vida sem arrependimentos.

— Com o acordo da aldeia vizinha a paz chegou para nós, filho. Você sabe que não precisa mais se prender a nós. — Falou baixo para que mais ninguém escutasse e me entregou Kalya nos braços enquanto ajeitava Hijae em suas costas. — Eu tenho muito apoio por aqui e minha felicidade é vê-lo crescer com liberdade. Todos estamos orgulhosos e esperamos que faça aquilo que deseja.

Essa era uma conversa recorrente, às vezes meu coração fraquejava, mas eu os colocaria acima de tudo assim como meu pai fazia.

— O sol se foi. Vamos voltar. — Me desvencilhei do assunto dando alguns passos para trás e logo virando de costas com Kalya tranquila e aconchegada em meu peito — Vamos jantar coelho hoje.

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⏰ Última atualização: May 23 ⏰

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