Capítulo VII ● Youngjae

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Minha mãe estacionou depois de alguns minutos andando em completo silêncio, eu não ousei falar mais nada com ela durante o resto da viagem e ela não falou mais nada comigo também, provavelmente estava em seu momento de luto, e nessas horas você faz silêncio mesmo sem querer, porque falar, mesmo se for só sobre o tempo, faz o nó na sua garganta marcar presença, e isso dói, dói como o inferno, e você só quer que pare de doer. 

Escuto ela remexer em algo no banco de trás do carro depois do que me pareceram séculos de silêncio, talvez para pegar o guarda chuva ou sua bolsa, ou então só um casaco qualquer, mas isso não demora muito, logo o som da porta dela se abrindo se faz presente e escuto ela sair do carro, para então abrir a minha porta e me esperar sair do automóvel também. Ela me oferece o braço para me ajudar a ficar em baixo do guarda chuva e eu aceito sem pensar duas vezes, e então juntos começamos a rumar para dentro do que suponho eu ser a funerária onde seria realizado o velório.

Me encolho assim que entramos dentro do lugar, por conta do enorme frio que fazia dentro dele e também pelo fato de eu estar meio molhado. Meu nariz, que é tão sensível quanto meus ouvidos, fica meio irritado por culpa do intenso cheiro de formol, e meus ouvidos logo são inundados pelo som triste do choro de lamento de pessoas que eu não conheço, vindos de todos os lados. Me aproximo mais de SonHee, quase me sentindo ser teletransportado de volta para o dia do velório de minha mãe, e ela parece perceber isso, pois me envolve com um de seus braços e me guia mais para dentro da sala.

Funerárias tem um cheiro bem específico, uma mistura de parafina, das velas que as pessoas acendem para os mortos. Formol, que mascara o cheiro da pessoa falecida. Flores, porque as pessoas trazem muitas flores. E dor, muita dor, dor para todos os lados. Eu saberia o que é uma funerária apenas de passar na calçada de uma, o cheiro característico se tornou marcante demais para mim para eu ser capaz de esquece-lo. Nos meses depois do enterro de minha mãe, quando a dor era demais até para eu sair da cama, eu sonhava com ele todos os dias, e era uma sensação tão horrivel e aterrorizante que eu jurei a mim mesmo que nunca mais queria senti-la novamente.

Porém, pessoas morrem o tempo inteiro, seres humanos, por mais que se achem imbatíveis, são criaturas frágeis e mortais, por isso, embora você tente muito permanecer longe de lugares como esse, mais cedo ou mais tarde você sempre acaba voltando para um, isso é um fato, não pode ser mudado, infelizmente. A primeira vez que entrei em um lugar desses foi no velório da minha mãe, e depois dela eu pensei que não entraria dentro de um tão cedo, e realmente não entrei, entretanto, como eu já disse antes, é uma coisa inevitável, tanto que aqui estou eu agora, dentro de uma funerária novamente.

O som dos choros fica mais baixo conforme nos aprofundamos na sala, e em compensação, o frio, que antes era aceitável, se torna cada vez mais forte, tão forte que eu quase conseguia me imaginar no polo norte, como um pinguim ou um urso polar. Mas o cheiro constante de formol e parafina, presente em cada canto da sala, insistia em me lembrar de onde eu me encontrava, assim bloqueando todo e qualquer traço de imaginação que eu pudesse vir a ter no momento.

Sinto um aroma conhecido no meio disso tudo, uma mistura de hortelã, cereja e creme de barbear, o que me faz sentir um pouco menos tenso e mais tranquilo, afinal, a presença de meu pai sempre me acalma, até mesmo quando ele nem ao menos tem pretensão de fazer isso. Todavia, um outro aroma, dessa vez desconhecido, chama a minha atenção, me tornando automaticamente uma pilha de nervos, completamente ansioso, porque eu sabia, mesmo sem ninguém falar, que aquele era o cheiro do tal filho de SonHee.

Eu já havia imaginado como seria encontrar essa pessoa antes, SonHee, tagarela como é, sempre fez questão de me contar cada detalhe sobre ele nas tardes em que passamos sozinhos depois que eu chegava da escola e ela do trabalho. Então era quase como se eu o conhecesse a metade da minha vida inteira, ou pelo menos o ele criança, que foi o ele com quem SonHee conviveu. Entretanto, nada no mundo me preparou para esse momento, o momento em que ele finalmente deixa de ser apenas um nome de quem todos falam, mas que ninguém nunca vê, e se torna uma pessoa de carne e osso, bem aqui, em minha frente, a apenas alguns passos de mim.

Blind • 2Jae (HIATUS) Onde histórias criam vida. Descubra agora