O acaso escreve nossa história

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Afrânio Boaventura Pena fomou-se advogado muito novo. Escolhera a profissão ainda menino, um dia disse à mãe que queria defender os que sofriam e isso virou notícia na família. Ele seria um paladino! Surpreendera-se dona Dinalva. Seria um justiceiro! Abraçou e beijou o filho. Logo depois atravessou a rua para contar à irmã a notícia alvissareira. Desde então essa história faz parte do folclore familiar.Na verdade quando procurou a mãe Franinho estava muito bravo porque haviam-no excluído do time de futebol por ser baixinho. Arquitetou uma vingança: destruiria todos com ameaças por escrito. Seriam cartas anônimas para que não batessem nele, lógico. Se acusado poderia negar e, em último caso, seu pai contrataria um advogado para defendê-lo – torcia para que isso acontecesse mas não acreditava muito.

 O pai tinha mania de justiça e exigiria que ele falasse a verdade. Quando contasse, em vez de um advogado teria é um carrasco para arrastá-lo pela rua de casa em casa até desculpar-se com todos. Nada disso aconteceu. Ele não escreveu as cartas e o pai não precisou castigá-lo mas nas várias noites sucessivas em que perdeu o sono, sentiu que poderia se tornar o defensor dos meninos oprimidos. Daí para pensar em tornar-se o defensor de todos os oprimidos foi um pequeno salto. Na manhã seguinte informou à mãe sua decisão e a história toda começou.

 Apoiado pela família, encantada com a possibilidade de ter um doutor – ninguém até então sequer entrara na faculdade e muito menos saíra – Seria uma maravilha, motivo de muito orgulho. Naldinho passou a ser visto com mais respeito e era convidado para escolher a posição em que jogaria. Todos gostariam de tê-lo como aliado e não como adversário. Um doutor!

 Ele cresceu mimado. Franinho quer isto, Franinho quer aquilo, gostou muito da experiência e como era dotado de razoável capacidade intelectual foi o primeiro da classe e entrou na faculdade sem sacrifício. Comentava-se sobre seu vocabulário riquíssimo e como ele fazia questão de empregar corretamente as palavras. Numa festinha de família um dos primos certa vez, perguntara-lhe: vamos brincar? Altivo ele respondeu: ”só se for de alguma coisa que deleite”. Afonso, o malandro do grupo de primos, imediatamente gritou:

 - Gente, ele quer brincar de vaca! Vaca dá leite!

 Foi preciso os adultos exigirem silêncio para entenderem por que o doutorzinho atacara seu primo chutando-o com pontapés muito bem colocados. Só após várias explicações entenderam: alguma coisa que deleite fora entendido alguma coisa que dê leite e quem dá leite é a vaca. Quando os adultos começaram a  rir Franinho tentou chutar novamente mas seu pai ergueu-o do chão e atravessou a sala e o jardim com o menino debaixo do braço. A mãe correu atrás. Já no automóvel o pai declarou solenemente que embora aprovasse as atitudes dele, agredindo os que dele zombavam, não poderia deixar de puni-lo na frente dos outros pois sua grosseria era deplorável num futuro advogado. Deveria ter sempre em mente que classe é coisa que vamos adquirindo desde pequenos e é sempre fruto de auto controle e disciplina. Deveria sempre mostrar sua classe, sua superioridade.

 Franinho tornou-se doutor Afrânio. Abriu escritório, sua dedicação ao estudo tornou-o capaz de encontrar brechas nas leis e  caminhos para interpor recursos. Doutor Afrânio enamorou-se. Era sua colega de faculdade. Competente, muito bonita mas com um defeito: gostava de coisa graúda, defenderia os opressores. Oprimidos não lhe interessavam. Se oprimidos, provavelmente seriam fracos. Fraqueza combina com pobreza e nada disso a atraía. Doutor Afrânio até tentou demovê-la dessa posição mas foi incompetente para tanto. Deixá-la? Nem pensar. Amava seu sorriso, seu cabelo, seu jeito de falar, suas mãos, seus beijos.

 Casaram e se habituaram a referirem-se mutuamente como Robin Wood e Malévola.

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⏰ Última atualização: Nov 07, 2014 ⏰

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