- Sério que você vai ? - Perguntei, olhando para o par de olhos escuros que mal poderia se diferenciar a iris da pupila.
- É o que eu mais quero. - Madson respondeu, ela estava toda empolgada por causa da carta de recomendação. - É inacreditável, e ainda mandaram as passagens para amanhã.
Para uma garota de Castletown, ir para Viena era um sonho a ser realizado. Estávamos saindo da cafeteria que ficava na esquina de onde morávamos, era por volta das seis e meia, tinha ficado mexido com aquela notícia de que minha amiga de infância se mudaria para bem longe. Não veria mais seu rosto sorrindo enquanto me olhava jogar just dance ou das vezes que ela ficava preocupada com algo e mexia no seu colar de pena azul que tinha dado para ela quando era mais novo. Paramos na frente da casa dela, depois dessa noite, provavelmente, ela esqueceria de mim lá em Viena e se preocuparia com seus trabalhos de faculdade.
- Madson...- Segurei na sua mão e uma sensação estranha invadiu meu peito, não sabia o que era, estava com vergonha ou apavorado de mais com aquela situação ? - Eu queria te pedir uma coisa...
- Que seria ?
- Bem... - Tomei coragem para dizer o que tinha que falar. - Que tal a gente passar a noite fora ? Não no sentido sexual, digo, passeando, mas se você quiser...
- Todd, - Ela me interrompeu, com aquela voz doce e o sorriso que indicava que estávamos prestes a cometer uma loucura. - Só me dá meia hora, estarei no St Martin te esperando.
Comemorei internamente e concordei com a cabeça, depois que ela fechou a porta fui correndo para minha casa. Tomei um banho bem rápido e fui me vestir com qualquer coisa que encontrei, peguei minha jaqueta velha. Em menos de quinze minutos cheguei lá, esperei um pouco e a Madson chegou, ela estava simplesmente linda com um vestido florido até os joelhos e seus cabelos um pouco bagunçados.
- Por onde começamos ? - Ela perguntou, estava muito empolgada com a ideia de fazer algo ousado.
- Eu não tinha pensado nessa parte. - Falei, meio sem jeito. A realidade, é que nem tinha certeza que a Madson iria aceitar. - Achava que você não aceitaria.
- Claro que eu aceitaria fazer uma loucura com meu melhor amigo. - Ela me encarou e deu um sorriso de leve. - Deixa eu pensar em algo...
De repente, me animei de um jeito que nem sabia que podia. Peguei a sua mão e, com delicadeza, fui puxando até o ponto de ônibus. Ela não falou nada, apenas começou a rir baixo, pegamos o primeiro ônibus que passou.
- Sabe para onde ele vai ? - Madson estava sentada no banco atrás ao meu, com os pés apoiados no do lado.
- Não faço a mínima ideia. - Sorri. -Vamos procurar luzes picantes, é onde se encontra bebida e música boa.
- Bebida boa eu já nem sei.
Rimos um pouco e ficamos olhando a paisagem passar pelo ônibus, me sentia estranho mas de um jeito bom. Não demorou muito para chegar em uma qualquer, descemos e fomos até a porta. O nome era Church e ela fazia jus ao nome, a frente era parecida com a de uma catedral, com luzes rosas e um crucifixo brilhante em um tom azul frio. Tinha poucas pessoas na frente, e o gelo seco dava um ar misterioso, a música era o que chamava mais atenção, era indie bem tranquila me fazendo sentir nas nuvens.
Quando chegamos lá dentro, tudo era em tons de rosa e azul, os balcões onde ficavam os barmen eram espelhados e os drinks eram bastante coloridos fazendo uma verdadeira festa em conjunto com os canhões de luz. Fomos pedir alguma bebida e a que me chamou mais atenção foi uma chamada de expurgo, levava morango, energético, vodka e licor de cereja.
- Por que será que chamam de expurgo ? - Perguntei, Madson olhava um pouco assustada para o cardápio.
- Deve ser porque a alma sai do corpo. - Ela respondeu. - Literalmente.
- Vou querer uma dela.
Pedi o drink, Madson pediu outro que era bem menos alcoólico. Brindamos e engolimos de vez, a sensação de queimor dissolveu toda a vergonha que eu sentia, foi um expurgo de toda inibição que estava do meu peito, pelo visto o drink que minha amiga pediu funcionou também. Ela me puxou para o meio da pista de dança, tinha começado uma mais lenta e um pouco melancólica.
Ela abraçou meu pescoço, olhando diretamente nos meus olhos, segurei sua cintura. Tudo estava lento e tudo ao redor tinha sumido, estávamos apenas nós dois ali, balançando com sorrisos bobos como fazíamos quando tínhamos onze anos no baile da escola, mergulhamos fundo no paraíso sombrio que a música dizia e ficamos ali naquele breu só sentindo a batida de nossos corações, e a respiração que começava a mudar. Dizem que sabemos quando vamos ser beijados, nosso corpo se contrai involuntariamente, o estomago se revira, as mãos começam a soar descontroladamente e nossos cérebros viram manteiga derretida. Eu estava sentindo isso, estava sentindo que estávamos prestes a se beijar, sua mão foi para nuca e, delicadamente, ela me puxou para perto e nossos lábios se encostaram desajeitadamente, era a primeira vez que nos beijamos, tínhamos muita vergonha de falar ou fazer isso enquanto namorávamos perto do outro. No fundo, acho que nos amávamos mas estamos presos a outras pessoas, aquela carta precisou chegar para que
- Desculpa. - Ela disse, parecia ainda confusa e perdida no que acabara de acontecer. - Eu...
Antes que ela pudesse completar a frase, retribui o beijo. Nossos corpos relaxaram, e quando beijo acabou, ficamos abraçados durante a próxima música, porém, não esperamos até o fim. Saímos de lá, Madson entrelaçou seus dedos aos meus e no caminho até mercearia na esquina, conversávamos sobre as nossas aventuras de criança, das vezes que brincávamos de piratas espaciais e que tínhamos que defender a terra dos monstros do planeta Lorc.
- Lembra quando pegamos o lençol limpo da minha mãe e sujamos de terra porque os Lorcianos invadiram nossa casa e nossos pais estavam infectados ? - Madson disse enquanto passeava pelo corredor atrás de alguma bebida.
- Lembro e como lembro. - Sorri sem graça. - Até hoje, sua mãe tem um pouco de raiva por termos jogados aquele lençol imundo nela.
Madson pegou uma garrafa de vodka muito barata e paguei no caixa, saimos de lá e pegamos outro ônibus, esse iria para a outra cidade. Bebíamos um gole de cada e riamos do nada, descemos no meio do caminho perto da antiga torre de Herring. O mato baixo e a praia rochosa era um cenário rústico que dava um toque especial na paisagem local, sentamos perto da torre e observávamos o céu noturno. O céu estava limpo e as estrelas brilhavam tanto, deitamos na grama baixa sobre minha jaqueta.
- Eu nunca tinha ido para uma balada e bebido essa quantidade absurda de álcool. - Madson falou, tentando parar de rir.
- Olha, isso ainda é pouco. - Mostrei a meia garrafa de vodka. - Não é metade que os jovens da nossa idade bebe.
- Tem razão, somos os tiozões da festa.
- Sabe uma coisa que sempre quis fazer ? - Me levantei meio desequilibrado.
Estendi a mão para ajudar Madson, tomei folego e gritei. Ela se assustou mas entendeu o recado e gritou também, parecíamos dois loucos gritando ali na praia vazia, o céu estrelado e o vento fraco bagunçado nossos cabelos. Parecíamos lobos uivando para a lua ou tentávamos parecer.
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Até o amanhecer
Short StoryDepois de saber que você vai para longe, não podia deixar de ficar com você. Então, vamos correr tão rápido e andar pela noite sem rumo, talvez roubar um banco ou correr pelados por ai sem saber o que vai acontecer. Somos livres, somos apenas eu e v...