Capítulo 2

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Foi o silêncio que me despertou.
Ou teria despertado, se eu realmente tivesse dormido, mas eu não tinha sido abençoada pelo sono. Um descanso forçado pelo meu próprio corpo fora tudo que pude ter, e ainda assim foi somente porque eu necessitava de alguma trégua daquele turbilhão de emoções que eu vivia desde o dia do enterro.

Aparentemente se eu mesma não fazia o trabalho de descansar, meu corpo faria por mim.

Não resisti quando minhas pálpebras pesaram e se fecharam sozinhas, não resisti quando uma dormência deliciosa se espalhou pelas minhas veias, me libertando temporariamente da minha dor, não resisti quando minha mente se tornou um borrão escuro e privado de qualquer pensamento.

Não resisti, apenas aproveitei, sabendo que não duraria por muito tempo.

Mas, mesmo com o meu corpo se desligando, eu estava ciente de tudo á minha volta. Dos sons da coruja empoleirada em algum lugar da rua, dos grilos escondidos e barulhentos e dos carros que passavam em alguma rodovia ao longe.

Estava ciente do frio beijando minha pele nua, sem coragem de rolar para debaixo das cobertas por medo daquela anestesia cessar.
Estava ciente quando a escuridão amigável cedeu seu lugar para a claridade desconfortável do dia, até o sol estar me incomodando persistentemente. Eu não havia fechado as cortinas. Eu nem mesmo reparei se naquele quarto ainda havia cortinas.

E finalmente a coruja e os grilos se calaram e os carros se tornaram distantes demais para serem notados. A rua despertou em silêncio enquanto eu tremia, nervosa por estar sentindo aquele entorpecimento se desfazer.

Quando os primeiros pensamentos, cruéis e letais, surgiram, eu quis chorar.
Eu estava tão cansada e ainda era incapaz de pegar no sono. Talvez eu pedisse para minha avó fazer algum chá calmante para me ajudar naquela noite. Ou talvez eu entrasse de fininho no quarto de minha mãe e roubasse algumas pílulas do próprio calmante dela.

Qualquer coisa que evitasse esse inferno de se repetir.

Sem outra alternativa, me forcei a levantar. De nada adiantaria se eu permanecesse na cama, só traria mais dor de cabeça porque meu subconsciente faria questão de me entreter com lembranças que eu tanto tentava soterrar. Caminhei até uma das malas e a revirei até achar uma calça jeans preta e um suéter de lã da mesma cor. Vestida, parei no meio do quarto e por fim o observei. Estava exatamente como da última vez que estive aqui. Decidi desempacotar minhas coisas, aproveitando a melancolia de estar novamente no meu cantinho.

Minha mãe já morava com meu pai quando engravidou, mas se mudou para cá antes de eu nascer e trouxe ele à reboque.
Ela e minha vó sempre foram tão unidas que não fora nenhuma surpresa ela querer estar perto da mãe quando eu viesse ao mundo.

Então, minha vó reformou a casa, adicionando mais um quarto, e acolheu meus pais por anos.
Nasci aqui mesmo, na sala, como uma tradição de família que minha avó criou; Todas as mulheres Hall viriam ao mundo em suas casas, contando com a ajuda de quem quer que fosse da família e estivesse presente.
Ela contou uma vez, enquanto bebia uma de suas garrafas especiais de vinho, que sua mãe não teve nenhuma ajuda quando a teve. Eirene, minha bisavó, era uma mulher sozinha, triste e reclusa, que escolheu ter sua filha sem a ajuda de ninguém, mas desmaiou durante o parto.

Segundo minha avó, ela viera ao mundo praticamente por conta própria; depois de fazer tanta força, Eirene apagou no meio do processo, e perdeu o momento em que minha avó se cansou de esperar e simplesmente "escapou". O baque da criança recém-nascida batendo no chão foi o que a trouxe de volta a consciência.

Em compensação, minha avó contou com um sorriso brincalhão no rosto, ninguém jamais ouvira uma criança chorar tão forte e tão alto. Quando foi a vez de minha mãe nascer, minha avó precisou chamar uma pessoa de fora para ajudá-la no parto porque não tinha irmãs ou familiares próximos. Ela se ressentiu tanto desse fato que decretou que nunca mais nenhuma das mulheres da família precisaria passar por aquilo. 

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⏰ Última atualização: Jul 22, 2020 ⏰

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